Título: EX-ESPIÃO ACUSA PUTIN AO MORRER
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Fonte: O Globo, 25/11/2006, O Mundo, p. 41

Exames revelam substância radioativa no corpo de agente envenenado e crítico do Kremlin

LONDRES

Especialistas britânicos encontraram uma grande quantidade de uma substância radioativa no corpo do ex-espião russo Alexander Litvinenko, que antes de morrer, na noite de quinta-feira, ditou uma carta acusando o presidente Vladimir Putin de um complô para envenená-lo. Traços da mesma substância ¿ polônio 210 ¿ foram achados na casa de Litvinenko, assim como num restaurante japonês e num hotel onde ele esteve antes de adoecer. Crítico ferrenho do Kremlin, ele investigava o assassinato de uma jornalista russa.

Ex-agente da KGB, Litvinenko, que morava no Reino Unido e se tornara cidadão britânico no mês passado, morreu aos 43 anos no University College Hospital, em Londres, três semanas após adoecer, num caso com todos os ingredientes das tramas de espionagem da época da Guerra Fria.

¿ Uma grande quantidade de radiação alfa de polônio 210 foi encontrada na urina ¿ revelou Roger Cox, diretor da Agência de Proteção à Saúde britânica.

Presidente critica `provocação política¿

A médica Pat Troop, diretora-executiva da agência, classificou a morte do espião como ¿um fato sem precedentes no Reino Unido¿, acrescentando que Litvinenko aparentemente fora envenenado por radiação.

¿ Para que alguém apresente este nível de radiação, é preciso que tenha ingerido, inalado ou sido contaminado a partir de um ferimento ¿ disse ela.

Numa carta lida por amigos após sua morte, Litvinenko acusou o presidente russo de orquestrar seu assassinato. ¿O senhor se mostrou tão bárbaro e cruel quanto seus mais ferrenhos críticos o descrevem... O senhor pode conseguir silenciar um homem. Mas uma onda de protestos pelo mundo, Sr. Putin, vai reverberar em seus ouvidos. Que Deus o perdoe pelo que fez¿, dizia na carta, ditada no dia 21.

Em Helsinque, Finlândia, para um encontro da União Européia, Putin chamou a morte de Litvinenko de uma tragédia que estava sendo usada para ¿provocação política¿.

¿ Não foi uma morte violenta, não há campo para especulações dessa natureza ¿ disse Putin. ¿ Se a carta foi realmente escrita antes da morte, me pergunto porque não foi publicada quando ele ainda estava vivo.

Ex-coronel do serviço de segurança russo, a FSB (ex-KGB), Litvinenko afirmava que havia sido envenenado após um encontro com um contato que teria informações ligando o governo russo à morte da jornalista Anna Politkovskaya, ocorrida em outubro. Politkovskaya era conhecida por suas críticas às políticas do governo russo para a Chechênia.

Assim como Politkovskaya, o ex-espião também criticava o governo russo. Ele acusara Moscou de orquestrar atentados a bombas a vários prédios como um pretexto para invadir a república separatista em 1999. Litvinenko deixou a Rússia em 2000.

A polícia investiga agora como a substância radioativa entrou no corpo do ex-espião. Segundo a agência de saúde, também foi detectada radiação no sushi-bar, onde Litvinenko se encontrou com um professor universitário italiano, e no Hotel Millenium, onde se reuniu com outro ex-agente russo. Os dois encontros ocorreram em 1º de novembro, o mesmo dia em que começou a se sentir mal.

A combinação de sintomas ¿ desidratação, complicações cardíacas e perda de cabelo ¿ levaram os médicos a suspeitarem de envenenamento. Testes anteriores, porém, haviam descartado metal pesado ou radiação.

Andrei Lugovoy, um ex-agente da KGB, disse à imprensa russa que era o homem que se encontrara no hotel com Litvinenko e mais dois russos, mas que a reunião era apenas para tratar de negócios. Lugovoy afirmou que o ex-espião não comeu ou bebeu nada. Isso contraria informações de que Litvinenko teria tomado chá. No restaurante, Litvinenko teria almoçado com o professor Mario Scaramella, que tem contatos com o mundo da espionagem.

Segundo Lugovoy, os russos teriam um novo encontro no dia seguinte, mas no dia 2 ele recebeu uma ligação de Litvinenko dizendo que estava vomitando muito e que não poderia comparecer. Eles conversaram de novo no dia 7 e no dia 13, quando Litvinenko já estava no hospital.

Na noite da última quinta-feira, as condições de Litvinenko sofreram uma grande deterioração. O ex-espião morreu às 21h21m.

¿ Meu filho morreu. Ele foi morto por uma minúscula bomba nuclear ¿ disse Walter Litvinenko.

Substância é rara, diz especialista

Andrea Sella, professor de química da University College London, disse que o polônio 210 é uma das substâncias mais raras do planeta. É um derivado de urânio e foi descoberto pela química polonesa Marie Curie, em 1898. Uma radiação alfa consiste em dois prótons e dois nêutrons e é descrita no site do Exército americano como ¿a forma de radiação mais energética, mas com menor poder de penetração¿.

¿ Não se trata de um assassinato por acaso. Não é uma ferramenta escolhida por amadores ¿ disse.

Londres notificou Moscou que considera a morte de Litvinenko ¿um assunto grave¿ e pediu que o Kremlin envie informações que possam ajudar a investigação. A equipe especial de emergência do Gabinete britânico, conhecida pela sigla Cobra, se reuniu ontem para discutir o assunto.

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