Título: Duas máquinas
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 26/11/2006, O GLOBO, p. 2

Tantas o PMDB já fez, e com tantos governos, que é preciso ver para crer em sua transfiguração num partido razoavelmente coeso, desempenhando o papel de parceiro num governo de coalizão. Há sinais, prematuros ainda, de que desta vez pode ser diferente. E, se for, PT e PMDB, somando suas máquinas, podem constituir um ¿bloco de poder¿ cujo potencial de hegemonia deve preocupar mesmo a oposição.

A soma de PT, PMDB e partidos menores pode resultar numa poderosa engrenagem política que, azeitada pelo apoio popular que garantiu a reeleição do presidente Lula, transcenderá a sustentação de seu governo. Não é desprezível o poder de fogo desta estrutura política em construção. O PT controla 411 prefeituras e o PMDB, l.054. Juntos, dominam mais de 26% dos municípios brasileiros. Este ano, o PMDB conquistou sete governos estaduais, um deles no chamado triângulo das bermudas, o Rio. O PT ficou com cinco, com destaque para a Bahia, portão principal do Nordeste. Juntos, portanto, governam 12 estados. O PMDB tem uma bancada de 89 deputados federais e 18 senadores. O PT, elegeu 83 deputados e terá 12 senadores. É verdade que mesmo juntos não livram o governo Lula de sua precária situação no Senado, mas a coalizão deve garantir a reeleição do peemedebista Renan Calheiros para a presidência da Casa. Na Câmara, os dois partidos terão juntos 33% das cadeiras, uma base que somada aos demais partidos aliados deve proporcionar a Lula uma situação bem mais confortável que a do primeiro mandato.

O PT foi o partido mais votado para a Câmara, com 13,9 milhões de votos, ou 15% dos votos válidos. Teve ainda o maior percentual de votos na legenda, mais de 2 milhões, ou 14% de sua votação. O PMDB teve 13,5% milhões de votos para a Câmara mas elegeu mais deputados. A mística do PMDB como partido de combate à ditadura ainda é forte no imaginário eleitoral. Foi o terceiro partido mais votado na legenda. A votação do PT encolheu em relação a 2002, embora menos que o esperado, mas a do PMDB aumentou.

Juntos, vão dirigir o Estado brasileiro nos próximos quatro anos. O nome de tudo isso é máquina, o conjunto de engrenagens de poder ¿ do nível local ao federal ¿ que ainda é muito determinante na política eleitoral brasileira.

A conversa começou com um documento programático, destinado principalmente a espanar a fama do PMDB, de oferecer apoio em troca de cargos e pular do barco quando a eleição se avizinha. Mas a diferença não está nisso. Está no fato de que o partido tradicionalmente manteve uma correlação de 60% a 40% entre suas duas alas. Agora, ela é de 90% (com Lula) contra 10% que não aprovam a aliança. Mas mesmo estes mandaram dizer ao senador Renan que vão apoiá-lo para a presidência do Senado. O problema deles não é com Lula, é com o PT.

¿ O que está se abrindo é uma janela de oportunidade para o partido superar suas velhas idiossincrasias e resgatar a centralidade política que perdeu após a transição. E estamos todos dispostos a aproveitá-la ¿ diz Renan.

O almoço de quarta-feira entre ele, Sarney, Quércia e Michel Temer explicita o realinhamento. Mas neste final de semana é o PT que dará o sinal de sua real disposição para a aliança, que lhe exigirá mais que a partilha do governo. Para o PT, aliado sempre foi aquele que se dispunha a apoiá-lo só pela honra da companhia. Com a crise ética, a pose deve dar lugar ao pragmatismo.