Título: Só não desvia dinheiro hoje quem não quer¿
Autor: Jaitlon de Carvalho
Fonte: O Globo, 26/11/2006, O País, p. 3

ONGs recebem R$8 bi do governo e há apenas 12 servidores para fiscalizá-las

Aestrutura de controle das organizações não-governamentais (ONGs), que recebem milhões em recursos públicos todos os anos, é precária no papel e quase inexistente na prática. O Ministério da Justiça tem apenas uma equipe de 12 funcionários para fazer a análise formal das contas anuais de mais de quatro mil ONGs registradas no país, classificadas legalmente como organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips). Os demais ministérios, obrigados por lei a fiscalizar a aplicação de cada centavo repassado às ONGs, não dispõem de equipes específicas para descobrir e rejeitar prestações de contas fajutas, fraude cada vez mais comum na administração pública.

A Controladoria Geral da União e até o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão vinculado ao Congresso Nacional, vasculham as pilhas de papéis produzidas anualmente pelas ONGs de forma esporádica e casual. Os números apresentados pelas entidades só são submetidos ao crivo dos fiscais quando elas são pegas em auditorias de grandes programas financiados pelo governo federal. A fiscalização é direcionada aos programas e não especificamente às ONGs, entidades privadas que, em conjunto, recebem mais verbas que alguns importantes ministérios. Mas a falta de controle é tal que não há nem estimativa precisa de quanto o governo federal repassa para todas as ONGs. O TCU estima que esse valor pode chegar a R$8 bilhões por ano.

¿ Existem milhares e milhares de prestações de contas de ONGs paradas nos ministérios. Não tem fiscalização. Existem recursos para repassar, mas não para fiscalizar ¿ afirma o procurador Lucas Furtado, chefe do Ministério Público no TCU. ¿ Só não desvia dinheiro hoje quem não quer.

José Eduardo Elias Romão, chefe do Departamento de Justiça, instância do Ministério da Justiça encarregada de fiscalizar as ONGs, afirma que o descontrole quase geral também foi detectado por um grupo interministerial em 2004. O relatório sobre as falhas do sistema de controle está em poder do secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci.

¿ Se uma ONG comete fraude num convênio com verbas do Ministério da Saúde, essa mesma ONG tem chances de receber verbas do Ministério da Educação. Não existe um cadastro centralizado que mostre ao MEC que determinada ONG teve problemas no Ministério da Saúde ¿ diz Romão.

Título fácil de obter, mas difícil de cassar

O chefe do Departamento de Justiça comanda a equipe de 12 servidores que analisa os aspectos formais da prestação de contas e do funcionamento das ONGs. O grupo, que também só faz análises por amostragem, se detém, de modo geral, na checagem dos formulários preenchidos pelas ONGs e na composição societária das entidades. A equipe é formada por um contador e dois técnicos em contabilidade. Os demais são assistentes sociais, historiadores e advogados. O grupo tem o poder de conceder ou cancelar título de interesse público, qualificação que garante a uma ONG o direito de pleitear recursos públicos.

A concessão do título é rápida, mas a cassação é demorada. No início deste ano, os técnicos do departamento descobriram supostos vínculos da Nova Ordem, uma ONG de São Paulo, com a facção criminosa que aterrorizou o estado entre maio e junho com seguidos ataques a policiais e prédios públicos.

Mas o departamento só conseguiu cassar o título de interesse público da Nova Ordem com base num detalhe prosaico: a ONG era presidida por um policial civil. Pela legislação, Oscips não podem ser dirigidas por servidores públicos.

¿ Se não fosse isso, esta ONG estaria com a qualificação (o título de interesse público) até hoje ¿ disse Romão.