Título: DEPUTADOS FAZEM LOBBY POR MAIS UM TREM DA ALEGRIA NO SERVIÇO PÚBLICO
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 26/11/2006, O País, p. 10

Projeto de Gonzaga Patriota, defendido por 134 parlamentares e pronto para votação em plenário, efetiva, sem concurso, servidores requisitados em outros órgãos há mais de três anos

BRASÍLIA. Pressionados por um ostensivo lobby de servidores públicos, 134 deputados ¿ um quarto do total da Câmara ¿ defendem que o presidente da Casa, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), ponha em votação no plenário uma proposta que cria um trem da alegria no funcionalismo. A proposta de emenda constitucional, de autoria do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), permite que o servidor público requisitado para trabalhar em outro órgão opte por virar funcionário efetivo desse órgão de destino. Basta que o servidor esteja há pelo menos três anos no lugar para o qual foi cedido.

Incorporação de benesses e regalias

Se a proposta for aprovada, um servidor concursado de uma prefeitura do interior do país que estiver emprestado para a Câmara, por exemplo, vai virar servidor da Câmara, com todas as regalias e benesses desse cargo. Isso sem ter prestado o concorrido e exigente concurso específico para a vaga.

O projeto, se aprovado, beneficiará, em todo o país, cerca de 20 mil funcionários públicos cedidos a outros órgãos. Metade desse total ¿ cerca de dez mil ¿ é de servidores emprestados de outras repartições estaduais ou municipais para a Justiça Eleitoral. A maior parte deles está lotada nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs).

Atendendo ao lobby dos funcionários remanejados que desejam ser efetivados, 134 deputados encaminharam requerimentos à Presidência da Câmara nos últimos quatro meses, pedindo a Aldo que inclua a PEC na pauta de votação do plenário. A proposta está pronta para ser votada pelos 513 parlamentares desde o ano passado, mas, por ser polêmica, ainda não foi incluída na ordem do dia. Aldo tem resistido às pressões, pelo menos até agora.

O PT é a legenda que dá mais apoio ao projeto, mas duas deputadas do partido socialista de esquerda PSOL ¿ Maninha (DF) e Luciana Genro (RS) ¿ também assinaram pedidos. Da bancada petista, 29 assinaram os requerimentos.

Penduricalho torna projeto mais polêmico

Em seguida vem o PMDB, com 22 parlamentares, seguido de PP (16 deputados), PFL (15), PSDB (10), PTB (8), PL (8), PSB (8), PPS (4), PCdoB (3), PDT (3), sem partido (3) e PSOL (2).

Não bastasse a efetivação de servidores requisitados, a proposta, durante sua tramitação nas comissões, ganhou um penduricalho que a torna ainda mais polêmica: o relator do projeto, Philemon Rodrigues (PTB-PB), incluiu um parágrafo que estende essa regra a outros funcionários que não fizeram concurso, mas estão ocupando cargos e funções desde a promulgação da Constituição, em 1988.

¿ Ainda penduraram mais um jabuti nessa árvore. É uma proposta que fere o princípio da moralidade no serviço público. Com o perdão do autor, é uma proposta nada patriota ¿ disse o líder do PSOL, Chico Alencar, referindo-se a Gonzaga Patriota.

A proposta beneficia todo o funcionalismo público, inclusive de ministérios e do Palácio do Planalto. Na Câmara, há um festival de servidores requisitados. Não é à toa que há tantos deputados querendo votar logo a proposta. Nos gabinetes dos parlamentares trabalham cerca de mil funcionários requisitados de outros órgãos, em sua maioria originários da base eleitoral dos deputados. Eles ocupam o cargo de secretário parlamentar e recebem salário bem maior que o do emprego de origem.

Um requisitado pode ganhar mais R$6 mil

Na Câmara, há também 378 requisitados que ocupam os cargos de Comissão de Natureza Especial (CNE). São cargos de confiança, ocupados por pessoas que os parlamentares indicam para trabalhar em comissões, lideranças e departamentos. Nesse caso, um requisitado que receba uma CNE 7, a mais alta, incorpora a seu salário de origem, com as gratificações, cerca de R$6 mil.

A proposta tramitou num ritmo acelerado até chegar ao plenário. Ela foi apresentada por Gonzaga Patriota no início da atual legislatura, passou por várias comissões e já está pronta para ir a votação em plenário. Na comissão especial, em abril de 2005, a tramitação foi de um mês. Um recorde. Essa velocidade pode ser explicada pelo bom relacionamento que Patriota mantinha com o então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), um tradicional defensor dos benefícios e privilégios para deputados e servidores do Legislativo.

Os vícios de inconstitucionalidade da PEC foram detectados logo que a proposta passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A relatora na comissão, deputada Denise Frossard (PPS-RJ), deu parecer contrário ao projeto, por julgá-lo inconstitucional.

¿ É inconstitucional, primeiro, porque quer alterar as disposições transitórias da Constituição. Isso não existe. Além disso, é imoral. Viola todos os princípios constitucionais, como o da impessoalidade ¿ disse Denise Frossard.