Título: O FUNDEB VAI CUMPRIR PAPEL REDISTRIBUTIVO¿
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 26/11/2006, O País, p. 13

Coordenador de educação do Ipea diz que novo fundo, porém, não resolve por si só o problema da qualidade do ensino público

Apresentado pelo governo Lula como solução para os problemas da escola pública, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) está prestes a ser aprovado pelo Congresso: depende só de mais uma votação na Câmara. União, estados e prefeituras contam com o novo fundo para financiar o estudo de 47 milhões de estudantes a partir do ano que vem. Para o coordenador da área de educação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em Brasília, Jorge Abrahão, o Fundeb não será garantia de qualidade no ensino público. Mas trará avanços, como o aumento dos repasses federais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O Fundeb será capaz de fazer a revolução de qualidade que a educação básica brasileira precisa?

JORGE ABRAHÃO: Acho que pode ser um elemento importante, porque vai romper alguns gargalos. Ao fixar a complementação federal em 10% do total (a partir de seu quarto ano de funcionamento), o Fundeb tem caráter de forçar o governo a aplicar mais recursos na educação. E cumprir um papel redistributivo.

Mas será suficiente para a escola pública oferecer ensino de qualidade?

ABRAHÃO: Não, não vai resolver o problema da qualidade. Até porque isso vai depender não só do Fundeb, mas da ação dos entes federados. E aí a União tem um papel importante de indução e cooperação técnica, principalmente na formação de professores. Diante do problema imediato de financiamento, que é a falta de recursos para a educação infantil e o ensino médio, haverá agora um elemento para negociar. E isso é decisivo.

O que vai mudar?

ABRAHÃO: O atual Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) cobre o ensino fundamental e teve papel importante. Mas não resolveu o problema. O Fundeb ampliará os recursos que vão para o fundo, pelo lado da receita, e comprometerá mais a União, no que diz respeito à sua complementação. Acho que o Fundeb reflete um aprendizado sobre o que não deu certo no Fundef. Seu desenho permite incorporar as duas pontas que estavam fora do sistema, isto é, a educação infantil e o ensino médio. O Fundeb tenta corrigir um problema de acesso, e tem um desenho que pode permitir ampliar a qualidade, mas não garante que a qualidade venha. Isso vai depender do processo.

O Fundeb terá mais recursos, mas também mais alunos para atender, pois financiará também a educação infantil, o ensino médio e a educação de jovens e adultos.

ABRAHÃO: A grande vantagem do Fundeb será se o recurso do governo federal for dinheiro novo, e se o ministério se comprometer a, de fato, aplicar 10% do valor total do fundo, como prevê a proposta. Isso poderá ampliar bastante os recursos, principalmente onde existem as maiores dificuldades, que são os estados mais pobres.

Mas boa parte da rede pública, principalmente a municipal, apresenta baixo rendimento em praticamente todo o país.

ABRAHÃO: Acho que o ministério tem outros canais, outras fontes de financiamento, como o salário-educação, para atuar sobre o conjunto como um todo. Para promover eqüidade, acho que o Fundeb está certo, porque vai atuar onde a capacidade fiscal local é muito baixa.

O senhor já sabe quantos estados receberão complementação federal?

ABRAHÃO: Não. Mas serão basicamente os do Nordeste e o Pará.

A emenda prevê repasses federais crescentes nos três primeiros anos, começando com R$2 bilhões, chegando a R$4,5 bilhões no terceiro ano e a 10% do total, no quarto. Esse percentual é suficiente?

ABRAHÃO: Tudo o que a gente puder colocar a mais em educação é bom. Acho que aplicamos pouco (dinheiro em educação). Mas mais recursos sem um bom plano não é algo que necessariamente funciona. Se eu simplesmente jogar alguns milhões a mais em alguns municípios, eles saberão o que fazer? Acho que 10% permitem melhorias, e é um número mínimo. Se o governo Lula ou o próximo quiser realmente colocar a educação como elemento central, pode aplicar muito mais.

Fundo vai movimentar mais de R$55 bi

Para o Fundeb entrar em vigor, será preciso aprovar lei de regulamentação, definindo critérios de redistribuição dos recursos. Dá tempo?

JORGE ABRAHÃO: O ministério já tem proposta de regulamentação. O grande embate é tentar fazer a regulamentação num prazo curto. Quanto vai para o ensino fundamental já se sabe, é o mínimo que está posto hoje. A discussão é quanto vai para a educação infantil e quanto vai para o ensino médio.

Se o Fundeb vai manter o valor atual pago por aluno de ensino fundamental, e esse valor se mostrou insuficiente para garantir a qualidade, como o Fundeb conseguirá isso?

ABRAHÃO: É um valor mínimo para evitar perdas na transição de um fundo para outro. Na verdade, pode ser ampliado.

O Fundef também previa aportes federais. Mas o governo FH deu uma interpretação à lei que reduziu o valor dos repasses. O governo Lula fez o mesmo. A PEC do Fundeb é clara para evitar que isso se repita?

ABRAHÃO: Espero que sim, a redação é muito melhor. É obrigação da União contribuir com 10% do valor do fundo.

Quanto o Fundeb vai movimentar por ano?

ABRAHÃO: Algo entre R$55 bilhões a R$58 bilhões.

Quem vai ganhar com o Fundeb: os governos estaduais ou as prefeituras?

ABRAHÃO: Vai depender. Tem um elemento surpresa que é a EJA (educação de jovens e adultos). O Fundeb não vai atender só a educação infantil, o ensino fundamental e o médio. Na regulamentação, vai-se definir como ficarão os percentuais.

O senhor acha viável a proposta de criar um piso salarial nacional para os professores?

ABRAHÃO: Acho importante fazer isso. Onde está o maior problema da educação é onde está a solução, que é o professor. Mas não basta só ter recursos. É preciso avaliação, cobrança de resultados. Para isso, o profissional deve ser valorizado.

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