Título: CEARÁ ENCERRA 36º CASO DE TRÁFICO DE MENINAS
Autor: Isabela Martin
Fonte: O Globo, 26/11/2006, O País, p. 18

Investigação, porém, emperra porque, em outros estados, não há delegacia especializada para combater o crime

FORTALEZA. A prisão há duas semanas de um garçom que agenciava adolescentes para programas sexuais, algumas menores de idade, fechou o 36ºcaso investigado por autoridades cearenses de tráfico de seres humanos para outros estados e o exterior. Fernando, de 23 anos, recrutava meninas em Fortaleza e as levava para Picos, no Piauí, para o Bar da Divina, prostíbulo onde passavam de um fim de semana a meses sendo sexualmente exploradas.

Já foram identificadas oito garotas levadas com passagens pagas por ele. Essa é uma das dezenas de rotas existentes no Brasil e que se multiplicam. Além de Fernando, uma mulher identificada pelas meninas é a mesma que já estava sendo investigada como agenciadora na rota Fortaleza-Campinas (SP).

Nos últimos 20 dias, foram divulgadas três outras rotas a partir de Fortaleza: Teresina, Natal e uma para a Praia de Canoa Quebrada, no município cearense de Aracati. Apenas duas pessoas foram presas e, hoje, só Fernando está na cadeia. Mas pode ser por pouco tempo.

O tráfico é um crime de mão dupla. Adolescentes de outros estados estão sendo trazidas para Fortaleza. Uma dessas rotas começa no Piauí. Quatro menores de idade trazidas de São Luis (MA) para a capital cearense estão num abrigo sob a proteção do Escritório de Prevenção ao Tráfico de Seres Humanos e Assistência à Vítima (TSH), o único do Brasil. Vinculado ao Ministério da Justiça, foi criado em janeiro do ano passado juntamente com os de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás, que já não existem mais. O Ceará também é o único estado onde o governo baixou uma portaria designando uma delegada para agir nesses casos, a titular da Delegacia da Criança e Adolescente, Cândida Brum. Sem correspondentes nos outros estados, muitas investigações emperram. Traficantes e agenciadores deixam de ser presos porque os delegados de fora dizem que ações nessa área estão fora de suas alçadas.

¿ A gente fica ligando para um e outro delegado, mas dizem que não é assunto de sua competência ¿ diz a coordenadora do TSH, Eline Marques.

Os casos são descobertos a partir de denúncias de parentes e vizinhos das vítimas e do conselho tutelar. No caso da rota Fortaleza-Picos, a mãe de uma delas, X., de 14 anos, procurou o TSH. Após a prisão de Fernando, que é homossexual, Catarina recebeu ameaças de morte. Hoje vive num abrigo que é parceiro do TSH e deverá ser incluída no Pró-vida, programa federal de proteção a testemunhas.

Lucro com consumo de uísque pelas meninas

Como outras meninas, a família de Catarina é de classe média baixa. Em depoimento à polícia, ela conta que Divina orientava as meninas para que registrassem um boletim de ocorrência, na chegada ao Piauí, comunicando a perda dos documentos de identidade. Mentiam para a polícia dizendo já terem 18 anos ou mais. Assim entravam nos motéis sem problemas.

Catarina disse que fazia até seis programas por dia. Divina cobrava R$70 e pagava R$20 para as meninas. A principal fonte de renda da mulher, porém, é outra: as garotas são obrigadas a beber uísque, que é mais caro. O cliente é quem paga a conta.