Título: NEGRAS RECEBEM MENOS ANESTESIA DO QUE BRANCAS
Autor: Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 26/11/2006, Rio, p. 23

Especialistas dizem que discriminação é sócio-econômica

Para a presidente da ONG Crioula, Lúcia Xavier, iniciativas como a do Hospital Geral de Bonsucesso são necessárias para dar fim à discriminação de negros no atendimento médico, que, diz ela, são freqüentes.

¿ Negros têm menos acesso a exames. Médicos fazem mais toque de mamas nas mulheres brancas do que nas negras ou pardas, por exemplo ¿ diz.

Ela cita também como exemplo de racismo os resultados obtidos por uma pesquisa coordenada pela médica Maria do Carmo Leal, vice-presidente de ensino, formação e comunicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ao analisar prontuários de 9.633 grávidas atendidas pelo SUS no Rio de Janeiro, a epidemiologista percebeu que a peregrinação em busca de vagas em maternidades era maior entre as gestantes negras. Tiveram que procurar mais de uma unidade 18,5% das brancas, contra 31,8% das negras.

O item que mais chamou a atenção diz respeito à anestesia no parto normal: apenas 13,5% das brancas não receberam, contra 21,8% das negras, o que, segundo Lúcia, reforça o mito de que negras sentem menos dor do que brancas.

¿ A pesquisa não afirma que há racismo no SUS, mas identificamos situações em que as negras são discriminadas. O preconceito também aparece em relação à escolaridade. O SUS discrimina quem é pobre ¿ diz Maria do Carmo, que discorda de uma política de saúde voltada para a população negra, como a que está sendo discutida no Ministério da Saúde.

Existência de racismo divide especialistas em saúde

Para muitos especialistas em saúde, a afirmação de que há racismo no SUS é tão polêmica quanto a política de cotas para negros na educação. O presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, diz que não existe preconceito racial na assistência ao paciente:

¿Quem diz isso é míope. Quem chega ao SUS tem atendimento precário devido às deficiências do sistema, não importa se o paciente é negro, pardo ou branco.

Segundo Darze, os dados que mostram que a mortalidade materna é mais alta em mulheres negras do que em brancas não dizem respeito à cor das pacientes, mas às condições sociais.

O presidente do Conselho Regional de Medicina, Paulo César Geraldes, faz coro:

¿ Há mais brancos ricos do que negros ricos. E quem tem dinheiro faz plano de saúde e escapa do SUS, que é um sistema democrático. Toda perversidade é sócio-econômica, não racial ¿ defende.

O deputado Paulo Pinheiro, presidente da Comissão de Saúde da Alerj, tem a mesma tese:

¿ A discussão é delicada. Há motorista de ônibus que não param para idosos, tanto faz se são brancos ou negros. Nos hospitais, há atendimentos ruins, independentemente da cor do paciente.