Título: MENINAS Superpoderosas
Autor: Alessandra Duarte
Fonte: O Globo, 26/11/2006, Segundo Caderno, p. 1

Grupos de terceira idade que vão de van ao teatro são 70% do público carioca e decidem o que é sucesso nos palcos do Rio

Passaram dos 60 anos de idade, criaram os filhos, ficaram viúvas e agora cuidam do teatro carioca. Os grupos de pessoas da terceira idade ¿ quase todas mulheres ¿ que vão de van assistir a peças representam, segundo produtores culturais, de 60% a 70% do público de teatro hoje no Rio. As empresas e agências que organizam esses grupos já são mais de 70 atualmente e, como são os guias dos passeios que sugerem às clientes as peças que vão ver, há caso de produtor que organiza pré-estréias de espetáculos só para guias de van. A lógica de mercado se manifesta também no perfil de peça que dá mais certo na cidade: comédias e musicais, justamente os gêneros preferidos pelas clientes, de acordo com os guias das vans.

`Van-premières¿ para os guias

Sócio da produtora Montenegro e Raman, responsável por espetáculos como os de Bibi Ferreira, Betty Faria, Tônia Carrero e Ana Botafogo, Marcus Montenegro diz que há cerca de cinco anos começou a cadastrar guias de vans e hoje tem 200 guias ativos cadastrados.

¿ Faço uma mala direta mensal com nossa programação e mando para os guias, por fax ou correio, porque os guias também normalmente são senhoras, sem muito acesso à internet ¿ diz Montenegro. ¿ Aí, os guias vêem o que querem assistir, e eu faço, só para eles, algumas van-premières, numa brincadeira com avant-premières. Então eles fazem as reservas para suas clientes dos espetáculos que acharam que combinam com o perfil da senhora que pega a van.

Isso tudo acontece, geralmente, um mês antes da estréia das peças ¿ o que significa que, quando sai a crítica do espetáculo, ela influencia, mas, se for negativa, muitos grupos de vans já fizeram suas reservas.

¿ Em 2001, fiz um encontro de guias de vans, em que distribuí um questionário para eles, para saber justamente coisas como que tipo de espetáculo suas clientes mais gostavam. O resultado: comédia e musical. Também falaram que não gostam de teatros com escada, de esperar em fila e do atendimento de casas de shows, pouco personalizado para elas ¿ ressalta o produtor, que deve fazer um segundo encontro de guias no início de 2007. ¿ Sempre que posso, dou ingressos para guias e motoristas das vans, porque, hoje, uns 70% do público teatral na cidade são deles. Lamento muito o jovem não ir mais ao teatro.

A fatia das vans de 70% da platéia teatral (que influenciou ainda na mudança de hora das apresentações, para horários como 19h) é confirmada pela Associação de Produtores Teatrais do Rio (APTR), que também tem um cadastro de guias.

¿ As guias de van têm todo um esquema com as bilheteiras dos teatros, levam presentes para elas e tudo ¿ comenta o presidente da entidade, Eduardo Barata. ¿ É diferente de São Paulo, onde não há vans para terceira idade, e sim ônibus com pessoas de todas as idades, vindos do interior paulista. Mas aí são para as grandes produções, e mais em feriadões, porque lá a classe média continua a ir ao teatro. No Rio, as vans são o público normal das peças.

Apesar de sustentarem o teatro no Rio, as clientes das vans também são sua pedra no sapato, já que as senhoras pagam a malfalada meia-entrada. Cada cliente de van paga, em média, de R$35 a R$60, com a van a pegando e a deixando em casa (com exceção de peças como ¿Chanel¿, cujo ingresso custa R$120 ¿ e então o passeio de van sai a cerca de R$100).

A aposentada Leny Costa de Assis, de 65 anos, pega van para o teatro há quatro:

¿ Por segurança e por confraternização. Sem as vans, não iríamos tanto ao teatro, e a chance de as pessoas irem juntas é muito rica. É uma alternativa ao bingo. Além disso, se você vai por sua conta, tem que pagar táxi, o que pode sair mais caro, ficar em fila e disputar ingresso com cambista. Esses grupos acabam sendo úteis não só para a gente, platéia, mas para os teatros, porque uma peça já começa com público certo ¿ diz Leny, que compara o teatro no Rio ao de São Paulo. ¿ Estamos perdendo em sala para São Paulo, que tem salas maiores e melhores.