Título: QUANDO POBREZA E CORRUPÇÃO ANDAM JUNTAS
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 26/11/2006, Economia, p. 38

Estudos internacionais mostram que excesso de regras impostas pelo Estado na economia cria espaço para mazelas

Enquanto no Brasil técnicos do governo, analistas do mercado e acadêmicos tentam encontrar o elixir do crescimento econômico, pesquisas recentes mostram que, no mundo inteiro, a ausência de liberdade na economia, ou seja, o excesso de regras impostas pelo Estado, limita o desenvolvimento. Os estudos mostram ainda uma relação entre intervencionismo estatal, corrupção e pobreza.

O Instituto Fraser, centro de pesquisas canadense que há 30 anos publica um relatório sobre liberdade econômica no mundo, fez um alerta recente de que a América Latina falhou ao implementar as reformas de mercado, o que aprisiona a região na pobreza e na estagnação econômica. No ranking, apenas o Chile tem bom desempenho na região: 20º lugar entre 130 países. Brasil e Venezuela são considerados exemplos negativos.

Na 88ª posição, o Brasil vai mal principalmente no quesito respeito às leis e estrutura legal, no qual tem a menor nota (4,2, numa escala de zero a 10).

¿ Mas também temos um desempenho horrível em toda a parte de regulamentação estatal. É aí que reside a corrupção ¿ afirma Cândido Prunes, vice-presidente do Instituto Liberal, parceiro do Fraser no Brasil. ¿ Enquanto o Brasil tiver um desempenho medíocre em liberdade econômica, terá um crescimento medíocre.

Por ano, US$3,5 bilhões com perda de produtividade

O único quesito em que o Brasil avançou no último relatório foi estabilidade da moeda. Armando Castelar, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que o excesso de regulamentação abre espaço para corrupção, pois ¿são criadas dificuldades para serem vendidas facilidades¿.

¿ Não é só a corrupção que atrapalha o crescimento, mas também o ambiente no qual a corrupção aparece. É claro que existe esse problema no setor privado, porém, a melhor maneira de atenuar a corrupção é reduzindo o intervencionismo do governo, aumentando a competição no mercado.

Castelar acrescenta que a corrupção prejudica o crescimento da economia porque cria distorções no mercado. Entre as empresas, por exemplo, tornam-se mais competitivas as que têm recursos e um padrão moral compatível com a corrupção. Além disso, a incerteza de regras reduz os investimentos. O pior, em sua opinião, são os efeitos sobre a distribuição de renda: grupos se apropriam de recursos que deveriam ser destinados a todos.

O economista Marcos Fernandes, coordenador do Curso de Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV/EESP), estimou em US$3,5 bilhões os prejuízos anuais do Brasil com a perda de produtividade decorrente da corrupção. Ele usou como referência o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional, ranking no qual o Brasil caiu cinco posições em 2006, para 70º entre 163 países.

¿ A corrupção tem vários custos. Cria instabilidade política, reduz investimentos e aumenta a ineficiência. Minha estimativa estatística levou em conta os prejuízos só com o custo da ineficiência ¿ explica.

Redução de recursos para programas sociais

O Instituto Fraser também usa os dados da Transparência Internacional para mostrar que, nos países com menor grau de liberdade econômica, a percepção de corrupção é maior ¿ além de mais pobreza e crescimento menor da economia.

Fernandes, da FGV/EESP, diz que é possível ter crescimento econômico com corrupção, citando os casos de Índia e China. Mas ele ressalta que a corrupção afeta a distribuição de renda e reduz recursos disponíveis para programas sociais e investimentos em infra-estrutura, como em saneamento.

No relatório da Transparência Internacional, o Brasil teve nota 3,3 (quanto mais perto de 10, menor a corrupção), enquanto Argentina e Venezuela ficaram abaixo de 3, o que indica corrupção endêmica, com clientelismo e abuso de poder por parte dos governos. A ONG destacou que, na América Latina, a corrupção dificulta o combate à pobreza.

Para Cláudio Abramo, diretor da Transparência Brasil, há fortes evidências de que países mais pobres têm mais corrupção. Mas ele discorda da avaliação de que existe uma correlação inversa, ou seja, de que mais corrupção leva a pobreza e menor crescimento econômico:

¿ Também não é certo o argumento de que a corrupção reduz investimentos. Há outros fatores que influenciam as decisões das empresas.