Título: EXCESSO DE REGRAS IMPEDE QUE R$8 BI SEJAM INVESTIDOS EM SANEAMENTO
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 26/11/2006, Economia, p. 38

Empresas saudáveis do setor poderiam ter tratamento diferente na Lei Fiscal

BRASÍLIA. Incluídos na agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como prioridade nacional, os investimentos em saneamento básico continuam muito aquém das necessidades do país. Os entraves e as restrições ao financiamento de projetos nessa áreas impediram que as empresas do setor e os governos estaduais investissem pelo menos R$8,3 bilhões, em 2006, em obras de água e esgoto para melhorar as condições de vida da população brasileira. Este é o valor dos projetos rejeitados pelo Ministério das Cidades por motivos variados, que vão desde a falta de capacidade de endividamento de empresas e governos até o excesso de burocracia e exigências além do que determina a legislação.

Esse diagnóstico e o cálculo das demandas do setor fazem parte de estudo elaborado pela Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), que será apresentado ao secretário do Tesouro, Carlos Kawall, na próxima semana. A radiografia detalhada do setor mostra que um conjunto de empresas estaduais ¿ aquelas que são saudáveis financeiramente ¿ poderia investir entre R$5,5 bilhões e R$6 bilhões por ano em saneamento básico, mas só está conseguindo aplicar cerca de R$2,5 bilhões.

Para garantir acesso a água e esgoto em todos os domicílios, o Brasil precisaria investir R$11 bilhões por ano em saneamento básico, nos próximos 20 anos, mas os entraves ao financiamento desses projetos e a escassez de recursos do Orçamento da União põem o país muito distante desse patamar.

O estudo da Aesbe, elaborado pelo ambientalista Marcos Thadeu Abicalil, assessor técnico da entidade, aponta os problemas que o setor enfrenta e apresenta saídas para destravar os financiamentos. Uma delas é a possibilidade de empresas estaduais de saneamento saudáveis e auto-sustentáveis terem um tratamento diferenciado como ¿estatais não dependentes¿, ficando de fora dos limites globais de endividamento do setor público, fixados pelos Conselho Monetário Nacional e resoluções do Senado. Com isso, elas conseguiriam captar os recursos do FGTS e alavancá-los com recursos próprios.

O modelo, adotado em países da Comunidade Européia e OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), não implicaria mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) porque trabalha o conceito de estatal não dependente, ou seja, que não precisa de recursos do controlador para se financiar.

¿ Seria uma saída rápida e sem riscos ¿ diz Abicalil.

Projeto que regulamenta setor está no Congresso

O ambientalista cita como exemplo que se encaixa nesse modelo de ¿estatal não dependente¿ a Sabesp, empresa de saneamento do estado de São Paulo, que tem a melhor avaliação de risco para operações em moeda local (AAA) e capta recursos mais caros no mercado de capitais, exatamente porque esbarra no limite global de endividamento do setor público ao buscar empréstimos financiados com recursos do FGTS.

No caso dos municípios, o estudo revela um novo fator que praticamente inviabiliza as Parcerias Público-Privadas (PPPs) para projetos na área de saneamento com as prefeituras. A portaria 614/2006 da Secretaria do Tesouro Nacional limitou essas operações, na medida em que determina que parte das garantias oferecidas pelo ente público ao parceiro privado seja considerada dívida pública. Com isso, praticamente todos os municípios do país estariam no limite do endividamento.

O projeto que regulamenta o setor está tramitando no Congresso, e o governo espera aprová-lo ainda este ano, disse o ministro da Cidades, Márcio Fortes de Almeida.