Título: NA URNA, EMBATE ENTRE DUAS VISÕES DE EQUADOR
Autor: Mariana Timóteo da Costa
Fonte: O Globo, 26/11/2006, O Mundo, p. 46

Noboa e Correa se enfrentam hoje em eleição que pode determinar um país mais voltado para EUA ou para América do Sul

QUITO. É de Marianita de Jesus (1618-1645), a única santa do Equador, a célebre frase: ¿O problema maior de Quito não são vulcões nem terremotos, mas sim seus dirigentes.¿ Quatro séculos depois, é consenso de que não apenas a capital, como todo o Equador, ainda sofrem dos mesmos males: uma profunda instabilidade política (na última década, o país teve nada menos do que nove presidentes) e graves problemas econômicos e sociais. Na torcida por mudanças, nove milhões de equatorianos vão às urnas hoje, escolher um novo presidente. Mas, para a maioria dos eleitores, a escolha nunca foi tão dura, devido às propostas dos dois finalistas neste segundo turno, Álvaro Noboa (liberal e populista de direita) e Rafael Correa (nacionalista de esquerda).

Eleitores em busca do ¿menos pior¿, diz analista

Os dois, que estão praticamente empatados nas pesquisas de opinião, não poderiam enxergar de maneira mais diferente um futuro para o país, e fizeram questão de demonstrar isso durante a campanha, trocando acusações e ameaças, polarizando o eleitorado e obrigando milhões de equatorianos a votarem ¿pelo menos pior¿, como avalia o cientista político Felipe Burbano, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

¿ Se considerarmos apenas as propostas, é como se dois Equadores pudessem surgir com a eleição de hoje ¿ diz ao GLOBO um dos cientistas políticos e economistas de maior prestígio do país, Walter Spurrier Baquerizo, do Grupo Spurrier.

Além das propostas populistas, como a de construir 300 mil casas populares, Noboa defende a liberalização completa da economia, quer acabar com as estatais e cedê-las, por meio de concessões, a empresas estrangeiras. Além disso, promete usar seu prestígio de homem mais rico do país para atrair investidores internacionais, ¿tornando o Equador um centro turístico e financeiro como o Panamá¿. O candidato do Prian é a favor de propostas que geram muitos debates entre os equatorianos, como a assinatura de um Tratado de Livre Comércio com os EUA ¿ não cansando de evocar seu maior ídolo, o ex-presidente dos Estados Unidos, o republicano e conservador Ronald Reagan.

Já Correa prega ¿uma mudança interna radical, com o objetivo maior de livrar o Equador de políticos inoperantes¿. O economista é completamente a favor da intervenção do Estado na economia, demonstra antipatia à dolarização (em vigor desde 2000), acredita ¿em alternativas que não a americana para ajudar o país a se desenvolver¿, e defende a nacionalização das ricas, porém pouco exploradas, reservas de petróleo do Equador. É amigo pessoal do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e pretende convocar uma Assembléia Constituinte nos moldes da quela de Evo Morales, na Bolívia, para mudar a Constituição e ¿dar mais poder ao povo do que aos partidos políticos¿.

¿ No âmbito da política externa, certamente o Equador de Noboa é mais voltado ao norte (EUA) e o de Correa ao sul (América do Sul) ¿ avalia Kate Thompson, da Economist Inteligence Unit, um centro de estudos com sede em Londres, que realiza vários trabalhos de avaliação para a América Latina.

Correa governaria sem deputados no Congresso

Apesar de reconhecer que as políticas de Correa ¿podem assustar mais¿ investidores, Thompson acha que a situação econômica do Equador é favorável, já que o país está com uma inflação sob controle e os preços do petróleo continuarão em alta em 2007 ¿ o que fará o país crescer 3,4% no ano que vem.

¿ A grande incógnita, tanto com Noboa quanto com Correa, é se eles conseguirão manter uma certa estabilidade interna e onde cada um vai aplicar o dinheiro ¿ explica.

O problema é que, na questão da estabilidade interna, nem o Equador de Noboa nem o de Correa geram muito otimismo. O fato de o partido de Correa, a Aliança País, não ter apresentado nenhum candidato a deputado deixará o nacionalista, caso eleito, completamente desamparado, sem qualquer respaldo político.

¿ Acho muito difícil ele conseguir se sustentar se mantiver propostas tão radicais cujo objetivo final é tirar os deputados de suas cadeiras ¿ afirma Burbano.

Por outro lado, é grande o número de equatorianos que não se identifica com as propostas ¿oligárquicas de vender o Equador aos interesses dos EUA¿ de Noboa.

¿ Muitos pequenos agricultores, por exemplo, quebrariam com o TLC. Na capital, a elite intelectualizada, que geralmente começa levantes sociais, rejeita bastante Noboa e muitos protestos podem vir pela frente ¿ diz Buquerizo.

Como a classe política equatoriana é extremamente volátil e tende a ¿se unir à situação¿, não seria espantoso, para Burbano, se Noboa ¿ mesmo com a boa bancada que o Prian e seus aliados terão no Parlamento ¿ sofresse significativas perdas políticas.

¿ O mais assustador é que as Forças Armadas, nos últimos tempos, resolveram não interferir na política do Equador. Mas, se a situação ficar insustentável, tanto Noboa pode usá-la para reprimir manifestações, como algo mais grave (um golpe) pode ocorrer ¿ diz Buquerizo.

Candidatos apresentaram poucas propostas concretas

Enquanto isso, 42% da população continuam vivendo abaixo da linha da pobreza, 81% não têm o acesso devido à saúde, 50% estão desempregados ou subempregados e as escolas e universidades do país operam em estado crítico. Como ocorreu no primeiro turno, nesta segunda etapa os dois candidatos apresentaram poucas propostas concretas para resolver problemas internos.

¿ Nem um nem outro Equador pode acontecer ¿ avalia Felipe Burbano.