Título: A CHINA TOMA O LUGAR DO BRASIL
Autor: Rubens Barbosa
Fonte: O Globo, 28/11/2006, Opinião, p. 7

Nos últimos anos, a China, por razões estratégicas, sobretudo relacionadas com a necessidade de assegurar suprimento de matérias-primas e alimentos, tem buscado ampliar sua presença comercial na América do Sul.

A crescente presença da China na América Latina despertou a atenção dos formuladores de política nos EUA pela ameaça comercial às exportações norte-americanas.

No Brasil, o que estamos fazendo para aproveitar as oportunidades que o mercado chinês pode oferecer e enfrentar os desafios que a competição dos produtos chineses apresentam para o setor industrial no mercado brasileiro e no mercado sul-americano?

Consideramos, por razões políticas, a China como economia de mercado e declaramos aquele país como parceiro estratégico. Continuamos a ter uma visão romântica da China, como disse alto funcionário do Itamaraty publicamente, ignorando que hoje esse pais é um grande competidor do Brasil em nossos principais mercados e que a solidariedade chinesa está restrita, com ressalvas, ao G-20 nas negociações comerciais.

No Brasil, como na maioria da América do Sul, a China, nos últimos cinco anos, tornou-se um dos principais parceiros comerciais, como resultado de uma bem planejada estratégia comercial baseada na compra de produtos agrícolas, minerais e alimentos e na venda de bens de consumo e produtos industriais.

O comércio Brasil-China alcançou em 2006 a US$16 bilhões. O superávit brasileiro que, em 2003, foi de US$2,3 bilhões, está caindo, devendo, em 2006, ser bem menor (US$1,38 bilhão).

As conseqüências desse fato estão cada vez mais presentes na indústria brasileira: a balança de comércio de produtos manufaturados com a China apresenta hoje um déficit de cerca de US$6 bilhões.

O fato mais grave é que, na América Latina, principal mercado para os produtos manufaturados brasileiros, a China já ultrapassou o Brasil como fornecedor. Em 1995, o Brasil exportou US$5,7 bilhões em produtos industriais, e a China, US$1,4 bilhões; em 2004, a China forneceu US$7,8 bilhões, e o Brasil, US$6,5 bilhões.

Nesse contexto, é importante levar em conta que o aumento muito expressivo das exportações brasileiras, nos últimos anos, tende a deixar em segundo plano ¿ quando não os escondem completamente ¿ alguns fatores críticos que afetam a competitividade dos produtos brasileiros.

Em primeiro lugar, qual será a reação da China em face da gradual desaceleração da economia global, em especial nos EUA? De um lado, é muito provável que a China busque outros mercados de significativa dimensão para realocar suas exportações e o Brasil certamente será um desses mercados. A competição para o setor industrial brasileiro deverá se acirrar, e novos produtos chineses, como automóveis, passarão a buscar nosso mercado, como se vê pela recente instalação no Uruguai de empresa automotriz chinesa. De outro lado, a nova associação, esta sim estratégica, com os países africanos ¿ muito semelhante ao modelo colonial europeu ¿, fará aumentar as importações de produtos concorrentes aos produzidos na América do Sul, em especial no Brasil, o que poderá forçar uma baixa nos preços de nossos produtos.

Em segundo lugar, a perda de competitividade do Brasil e dos produtos brasileiros, conforme relatórios recentes de organizações internacionais, vai diminuir ainda mais a oferta de produtos exportáveis brasileiros. É pouco provável que o ¿custo Brasil¿ seja reduzido e reformas modernizadoras, com impacto nas exportações, sejam aprovadas pelo Congresso.

Em terceiro lugar, de acordo com sua bem planejada e executada política comercial de penetração no mercado sul-americano, o Governo chinês negociou acordos de livre comércio com o Chile e com o México. Por meio desses acordos, os produtos chineses terão uma plataforma de exportação para o Brasil e os dois países poderão atrair investimentos chineses, que o câmbio sobre-valorizado e as altas taxas de juros afugentam do Brasil.

Chegou a hora de o Brasil passar a tratar a relação com a China da mesma forma objetiva e sem politização. Governo e setor privado deveriam desenvolver iniciativas mais agressivas para melhor aproveitar as oportunidades de negócios no mercado chinês, e não hesitar em defender com mais eficiência e rapidez os interesses da indústria nacional afetados pela concorrência nem sempre justa e legal de produtos da China.

RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).