Título: BIG BROTHER¿ NOS COMPUTADORES
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 28/11/2006, Economia, p. 21

Imigração dos EUA pode revistar conteúdo e confiscar `laptops¿ de quem chega ao país

Além da exigência de passarem por uma entrevista para obter um visto de entrada no país, e da sensação de serem tratadas como suspeitas nos interrogatórios feitos pelos agentes da Imigração, as pessoas que visitam os EUA ¿ em especial, empresários e altos funcionários de governos ¿ têm agora um motivo a mais de preocupação, ou incômodo, ao desembarcar. A Associação de Executivos de Viagens Executivas (ACTE, na sigla em inglês), entidade que reúne, em 29 países, cerca de 2.500 agentes de turismo especializados em atender a homens de negócio, está alertando que as autoridades da Alfândega podem fazer um exame minucioso do conteúdo dos laptops dos passageiros de vôos internacionais. Elas podem, inclusive, confiscar o computador por tempo indeterminado, assim como CDs, disquetes ou qualquer outro meio eletrônico de armazenamento de dados que os passageiros tenham na bagagem ou nos bolsos. Os agentes também podem copiar as informações de laptops ou discos ¿ e fazer isso sem, ao menos, ter um motivo.

As revistas e apreensões, segundo o governo, podem ser feitas ¿sem causa provável, suspeita razoável ou mandado judicial¿. Elas vêm sendo realizadas aleatoriamente, surpreendendo os agentes de viagens. Eles não tinham sido notificados antecipadamente a respeito.

¿ Nós nos acostumamos a acreditar que temos o direito de privacidade inclusive sobre o que temos em nosso computador. Mas, pelo visto, isso não existe ¿ disse Susan Gurley, diretora-executiva da ACTE.

Confisco ocorre há pelo menos um ano

A entidade instruiu os associados a informar seus clientes, em especial quem viaja a negócios. É que alguns desses passageiros podem transportar dados confidenciais sobre empresas ou políticas de governo, além de material cuja propriedade intelectual ainda não esteja registrada.

A questão é que não se sabe o que é feito com o conteúdo dos laptops. A preocupação é que algo possa ser copiado e repassado a terceiros. Não se tem idéia da proteção dada às informações colhidas pelos funcionários da Alfândega. Segundo uma determinação oficial, até há pouco desconhecida do público, os agentes têm a autoridade de revistar e confiscar computadores de quem entra nos EUA, americanos ou estrangeiros. O argumento oficial é o de que o governo evita, assim, a profusão de pornografia infantil, e, ao mesmo tempo, prende os traficantes desse material, além de desbaratar esquemas terroristas.

A ACTE informou seus associados recentemente, durante uma convenção na Espanha. E enviou uma carta ao Departamento de Segurança Interna dos EUA (ainda sem resposta) perguntando que salvaguardas existem para garantir que o material recolhido não seja copiado e distribuído. Na carta, Susan Gurley perguntou se dados copiados são destruídos após um exame detalhado ou se são arquivados ¿ neste caso, por quanto tempo e quem tem acesso a eles.

A entidade também está consultando juristas. Um caso mostra que essa política vem sendo empreendida há pelo menos um ano. Uma associada informou que teve seu laptop confiscado há um ano e até agora não o recebeu de volta.

¿ Ela nos contou que foi escolhida aleatoriamente entre os passageiros que desembarcavam no país. Como não foi presa no momento nem ao longo desse período, suponho que era apenas uma viajante de negócios, não uma criminosa ¿ disse Susan.

Outros casos têm chegado a seus ouvidos. Num deles, semanas atrás, um empresário que vinha da Europa teve seu laptop apreendido no aeroporto de Washington, depois que um agente encontrou em sua memória plantas de edifícios. Segundo o passageiro, tratavam-se de projetos arquitetônicos para a expansão de sua empresa em Houston e em Madri. Mas, aparentemente, os agentes suspeitaram de que se tratava de locais onde poderiam ser instaladas bombas. O fato é que o empresário não foi detido nem indiciado, e seu laptop, até agora, não foi devolvido.

Medida é invasiva, diz juiz da Califórnia

Segundo as primeiras avaliações feitas por especialistas a pedido da ACTE, embora a Constituição americana proteja os cidadãos contra ¿busca e apreensão sem motivo razoável¿, tribunais têm dado ao governo mais espaço para realizar buscas em fronteiras do que dentro do país ¿ desde a criação da Lei Patriota, criada após os atentados de setembro de 2001.

Diante disso, a associação dos agentes de viagem está solicitando a seus membros que alertem seus clientes para evitar o transporte de informações confidenciais em laptops e discos. Outra opção é que remetam esse material por empresas como Fedex, DHL ou Correios ¿ que, pelo menos por enquanto, não vêm sendo requisitados a fornecer ao governo informações sobre discos e disquetes.

A perspectiva é que a medida governamental venha a ser contestada na Justiça por grandes corporações, cujos executivos viajam carregando informações confidenciais em seus laptops. Um episódio recente, em Los Angeles, dá esperanças à ACTE. Um passageiro foi detido por transportar material contendo pornografia infantil, mas, embora tenha sido indiciado por isso e esteja aguardando julgamento, um juiz da Califórnia determinou que o material apreendido não poderá ser utilizado contra ele. As autoridades terão de encontrar outras provas para incriminá-lo. Isso porque, segundo o juiz Dean D. Pregerson, procurar informações num laptop é ¿uma medida mais invasiva do que revistar o conteúdo de uma lancheira¿. Para ele, uma busca desse tipo não pode ser realizada aleatoriamente: os agentes da alfândega precisariam ter ¿uma suspeita razoável¿.

Segundo Pregerson, ¿aparelhos de armazenamento eletrônicos funcionam como uma extensão de nossa própria memória¿. O juiz continua: ¿Eles são capazes de armazenar nossos pensamentos, desde os mais estranhos e caprichosos até os mais profundos. E, portanto, uma intrusão do governo na mente merece tanto a proteção da quarta emenda da Constituição (que garante o direito à privacidade) quanto as intrusões que são físicas, por natureza¿.