Título: Na trilha de Morales
Autor: Mariana Timóteo
Fonte: O Globo, 29/11/2006, O Mundo, p. 31

Confirmado presidente do Equador, Correa promete rever contratos com petroleiras

Ontem, o presidente eleito do Equador, Rafael Correa, disse ao GLOBO ter sido acordado por um telefonema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ligou para felicitá-lo por sua vitória triunfante nas urnas e, segundo Correa, convidá-lo para visitar o Brasil.

- O que farei com muito prazer. Vou aproveitar e pedir reforços para o Emelec (time de futebol de Correa, assim como Lula, fanático pelo esporte) - brincou, durante uma entrevista a jornalistas estrangeiros em seu escritório, no centro de Quito.

A eleição de Correa foi confirmada ontem pelo Tribunal Supremo Eleitoral. Com 96,03% das urnas apuradas, o esquerdista tinha 57,14% dos votos, contra 42,86% de Álvaro Noboa.

Mas a boa relação entre Brasil e Equador - descrita como "essencial e estratégica" por Correa, pode sofrer contratempos se o presidente equatoriano cumprir o que promete, quando tomar posse, no dia 15 de janeiro: uma revisão completa dos contratos das empresas petrolíferas estrangeiras que operam no Equador, hoje responsáveis pela produção de pelo menos 200 mil dos 500 mil barris de óleo exportados pelo país diariamente.

Apesar de não citar nenhuma empresa especificamente, como a Petrobras, que produz 15 mil barris/dia, Correa afirmou que, no dia seguinte à sua posse, "vai renegociar o volume da participação do Estado equatoriano nesses contratos".

Brasil descarta nova crise com vizinhos

A lei de hidrocarbonetos equatoriana, reformada em abril deste ano, prevê 50% dos excedentes para as exploradoras e 50% para o Estado. Mas, no contrato com a Petrobras, por exemplo, o valor da exportação é compartilhado na proporção de 80% para a empresa brasileira e 20% para o governo do Equador.

- Se a lei de hidrocarbonetos já é injusta, imaginem esses contratos. Não podemos aceitar isso. A lei deve ser mudada e cumprida. O ideal seria, em relação a preços, 80% (para o Equador) e 20%, ou até 85% e 15% - disse Correa, lembrando que o petróleo é um recurso não renovável e uma riqueza do país.

A ameaça do presidente eleito de seguir os mesmos passos de seu colega boliviano, Evo Morales, não parece ter assustado o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. Depois de uma reunião com os presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o ministro descartou a possibilidade de o Brasil enfrentar uma nova crise com seus vizinhos.

- Não há nenhuma crise quando um país soberano toma uma decisão e pretende dialogar no espaço político internacional. Esse diálogo é feito, e o Brasil é muito craque nisso - observou Tarso Genro, sem querer se aprofundar no tema já que não tinha informações precisas sobre as declarações de Correa.

Além de parabenizar o equatoriano pela vitória, Lula disse, no telefonema a Correa, que essa conquista era um "sintoma de transformações positivas na América do Sul". Segundo assessores do Palácio do Planalto, o presidente brasileiro não falou sobre a Petrobras.

Uma fonte da área de energia disse que o governo brasileiro vai tratar do tema da Petrobras com Rafael Correa na primeira oportunidade. Por enquanto, porém, a orientação dada pelo Palácio do Planalto é não se manifestar a respeito de declarações veiculadas exclusivamente pela imprensa.

- Vamos esperar ele (Correa) comemorar a vitória. Depois falamos sobre isto - disse a fonte.

A questão preocupa o Brasil, mas ainda é considerada um tanto nebulosa pelo governo brasileiro. Em primeiro lugar, explicaram técnicos, é preciso saber se Correa terá força no Congresso equatoriano para mudar a legislação. Assim que o quadro tiver uma definição mais clara, o tema, considerado prioritário para os interesses da Petrobras, será levado a Correa.

O presidente eleito - que deseja que o Equador volte a fazer parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) - conta com o lucro obtido pelas vendas do produto para implementar seus projetos sociais. Uma de suas principais propostas é, ainda, atrair investimentos estrangeiros para a construção de refinarias, já que o país, quinto produtor de petróleo na América do Sul, só exporta óleo cru. Correa disse não temer afastar empresas que queiram investir em refinarias no país com tais propostas de revisão de contratos.

Ele afirmou ainda não temer o que classificou de "instituições especulativas americanas e londrinas" que, desde sua eleição, elevaram o risco-país do Equador para níveis superiores até aos do Líbano, país arrasado recentemente por uma guerra.

- O que me interessa é o risco-país real, que é o desemprego, que obriga 300 equatorianos por dia a emigrarem para outros países, a falta de saúde, de educação, a pobreza. Faremos o possível e o impossível para eliminar este risco. Investidores não têm que temer um país sem corrupção, soberano e com instituições fortes - afirmou.

Um dos fatores que contribuem para a elevação do risco-país é a intenção do governo Correa de renegociar a dívida externa do país, que totaliza cerca de US$12 bilhões, com os mais variados credores. O presidente voltou a afirmar ontem que "realizará uma auditoria nas dívidas do país com órgãos como o FMI e o Banco Mundial" e pedirá mais prazo para o pagamento, com juros menores, dos bônus globais (de variados credores, negociados na Bolsa de Valores de Nova York) - não descartando uma moratória nos dois casos.

- Essas dívidas (bônus globais) foram adquiridas há muito tempo, boa parte delas para as Forças Armadas se fortalecerem na ditadura militar. Não vejo por que pagá-las, se nosso Estado está pobre - declarou.

Correa disse ainda que vai trabalhar, "principalmente com Brasil e Argentina", para o ingresso do país no Mercosul. Como seu principal aliado, Hugo Chávez, mostra-se descrente em relação à CAN (Comunidade Andina de Nações, da qual a Venezuela se retirou), já que "Peru e Colômbia negociam Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos". O presidente reiterou que não realizará contratos bilaterais com os EUA, que levariam os produtores locais à falência.

A crise na Bolívia

Os problemas enfrentados na Bolívia pela Petrobras ao longo deste ano fazem com que a questão do Equador seja vista com mais cautela pelo Brasil.

Em 1º de maio, o presidente da Bolívia, Evo Morales, decretou a nacionalização dos hidrocarbonetos, como ele havia prometido durante sua campanha para a Presidência, em 2005. O país é o mais pobre da América do Sul e tem a segunda maior reserva de gás natural do continente, atrás apenas da Venezuela.

O Exército boliviano chegou a ocupar as refinarias da Petrobras no país, já que o decreto da nacionalização previa que a comercialização de hidrocarbonetos fosse feita pela estatal boliviana YPFB. Ao longo de seis meses, os dois países muitas vezes elevaram o tom nas declarações e negociações, como a que envolvia uma indenização sobre os ativos da empresa. O Brasil acenou até com o encerramento das operações da companhia na Bolívia.

Em 28 de outubro, último dia do prazo previsto no decreto, a Petrobras fechou um novo acordo com a Bolívia sobre a exploração de petróleo e gás, aceitando um aumento dos impostos sobre a produção (de 50% para 82%) e a atuação como prestadora de serviços no país vizinho, como queria Morales.

De acordo com o governo brasileiro e com dirigentes da Petrobras, o acerto garante rentabilidade suficiente à empresa, além de assegurar o fornecimento de gás para o Brasil.

COLABORARAM Adriana Vasconcelos e Cristiane Jungblut, de Brasília