Título: Morales ameaça reforma agrária por decreto
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 29/11/2006, O Mundo, p. 32

Presidente boliviano diz que, se Congresso não aprovar iniciativa, o Executivo teria legitimidade de impingi-la

BUENOS AIRES. O presidente da Bolívia, Evo Morales, ameaçou ontem aplicar o projeto de reforma agrária enviado ao Congresso por decreto, caso a oposição continue insistindo em boicotar a aprovação da iniciativa no Senado.

As declarações do presidente boliviano - que, depois de uma rápida visita à Holanda, passou apenas algumas horas em seu país antes de iniciar uma nova viagem a Nigéria e Cuba - estremeceram ainda mais o já delicado relacionamento entre o governo e a oposição.

Estados dão ultimato ao governo central

Ontem de madrugada, oito departamentos (estados) bolivianos deram um ultimado ao Poder Executivo: se até a próxima sexta-feira não forem modificadas as regras de funcionamento da Assembléia Constituinte, os departamentos rebeldes convocarão uma greve geral.

- Eu não tenho nenhum problema. Se o Senado não quer aprovar a lei (de reforma agrária) acho que temos a faculdade, como Poder Executivo, de dar essa lei aos movimentos de camponeses - afirmou o presidente boliviano.

Morales teve de fazer uma escala relâmpago em seu país já que o Congresso não aprovou uma viagem ao exterior de mais de cinco dias (prazo máximo de permanência do presidente fora do país, sem autorização legislativa).

A passagem de Morales por La Paz coincidiu com a chegada de mais de 5 mil indígenas que há mais de três semanas estavam marchando em direção à sede do Poder Executivo Nacional.

O objetivo dos manifestantes é pressionar o Senado, dominado pela oposição, para que seja aprovado o projeto de reforma agrária já votado na Câmara, no início deste mês.

Rebeldes querem anular regras da Constituinte

- Queremos acabar com o latifúndio improdutivo - enfatizou o presidente boliviano.

A tensão entre governo e opositores é cada vez maior. No encontro de prefeitos (governadores) rebeldes realizado segunda-feira passada em Cochabamba, além do ultimato ao governo foi anunciada a realização de novas marchas e greves de fome para exigir a anulação das regras de funcionamento da Assembléia Constituinte - aprovadas apenas com os votos do Movimento ao Socialismo (MAS) e de seus aliados.

A oposição considera inadmissível a aprovação dos artigos da nova Constituição por maioria simples (128 votos, de um total de 255), já que o MAS tem uma bancada de 137 representantes.

- Se deixamos passar mais essa do MAS, o que está acontecendo na Venezuela não será nada ao lado do que acontecerá aqui - afirmou o ex-candidato à Presidência e líder do movimento de centro-direita Unidade Nacional, Samuel Doria Medina.

Oposição quer aprovação por dois terços dos votos

Os partidos opositores exigem que os artigos da nova Constituição sejam aprovados com dois terços dos votos, pois temem que questões consideradas fundamentais, entre elas o pedido de autonomia dos departamentos rebeldes, sejam ignoradas pelo governo de Evo Morales.

Na disputa com o Poder Executivo, explicaram analistas locais, o que mais importa aos opositores é o pedido de autonomia. O rechaço ao projeto de reforma agrária faria parte de uma estratégia para pressionar o governo e reduzir seu poder na Assembléia.