Título: O DILEMA VENEZUELANO DE SER OU NÃO CHAVISTA
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 29/11/2006, O Mundo, p. 32

Líder que mudou a política do país enfrenta eleição polarizada entre os que o amam e o odeiam

CARACAS. "Parece que foi há 200 anos. Nem me lembro direito como era a política antes de Chávez." A frase, dita pelo dono de banca de jornal Marcos González, resume desta forma a revolução política provocada pela ascensão de Hugo Chávez ao poder na Venezuela. Apesar de ter surgido no cenário político somente em 1992, Chávez mudou a política no país que, a quatro dias das eleições presidenciais deste domingo, só tem hoje dois caminhos: o chavismo ou o antichavismo.

As ruas da capital, Caracas, estão tomadas por propaganda do presidente e de seu principal adversário, Manuel Rosales, governador do rico estado de Zulia e candidato de uma coalizão de todos os partidos que se opõem a Chávez.

As provocações de Chávez, conhecidas internacionalmente devido a suas intervenções polêmicas - que já causaram problemas diplomáticos com México, Peru e Chile (as relações diplomáticas entre Venezuela e os dois primeiros estão congeladas atualmente), coroadas com um discurso na Assembléia Geral da ONU, quando chamou o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, de diabo -, são apenas aperitivos perto de sua atuação na política interna.

Manifestações tomaram conta de Caracas

Uma das peças de propaganda espalhadas em cartazes lembra seu discurso de Nova York: "vote contra o diabo, vote contra o império". Curioso é ver tal cartaz diante da obra de recuperação da ponte que fazia a vital ligação entre o aeroporto de Caracas e a cidade, um embaraçoso exemplo de uma das maiores críticas a seu governo: o abandono da infra-estrutura. O caminho entre o aeroporto e o centro da cidade, que antes era de 40 minutos, pode chegar a três horas devido ao desvio.

Chávez começou a campanha dizendo que iria "enfiar dez milhões de votos pela goela" da oposição. Esta respondeu rapidamente com o eficaz mote de que faria um governo para "os 26 milhões de venezuelanos". O presidente, então, tentou mudar o tom, citou um objetivo mais modesto de seis milhões de votos até mudar o discurso e passar a dizer que gostaria de governar "por amor" à Venezuela.

Diante da apatia na resposta do eleitorado, mudou novamente. Agora diz que o país ficará "vermelho, vermelhinho" (rojo, rojito). A propaganda pegou, tanto quanto o jingle "Uh, ah, Chávez não se vá!", em versões caribenhas e tecno. A oposição tenta ganhar terreno com a frase "atreva-se a mudar".

Os últimos dias foram de grandes manifestações públicas em apoio a Chávez e Rosales. No sábado, a oposição fez um comício com dezenas de milhares de pessoas em Caracas, o que elevou o ânimo dos antichavistas. Porém, no dia seguinte, um comício de Chávez parou a capital, lotando três das principais avenidas do centro. Ver Caracas "vermelhinha" de chavistas foi um banho de água fria na oposição. As últimas pesquisas apontam uma vantagem de até 20 pontos para Chávez.

Mas a política venezuelana nem sempre foi assim. A novidade da política personalista trazida por Chávez talvez seja uma das explicações para a falta de uma resposta opositora.

Depois de ter apenas nove anos de governo democrático entre 1830 e 1959, o país viveu durante 40 anos um não escrito bipartidarismo. A Ação Democrática (AD, de inspiração social-democrata) e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei, democrata-cristão) se revezaram no poder.

Desde que Chávez venceu as eleições de 1998, o panorama político do país mudou totalmente. Ele venceu outras duas eleições (a eleição de 2000 e o referendo de 2004), além de ter ditado grande parte da nova Constituição (eleita em 1999) e hoje possuir a totalidade do Parlamento, pois a oposição não participou da votação. Sobreviveu também a um golpe de Estado em abril de 2002.