Título: INCÔMODA CONTRADIÇÃO COM O DISCURSO CONTRA `AS ELITES¿
Autor: Adauri Antunes, Ricardo Galhardo e Plinio Teodoro
Fonte: O Globo, 30/11/2006, O País, p. 3

Para analistas, doações de empresas a Lula revelam relação do PT com `grandes interesses¿

Assim como na campanha dos candidatos aos governos dos estados, o segundo turno da disputa pela Presidência mostrou que os doadores são mais generosos com quem está buscando a reeleição. No caso do presidente Lula, os cientistas políticos afirmam que, embora seja legal e não seja prática exclusiva do PT, as doações após a vitória, notadamente de grandes empresas, inclusive do setor financeiro, revelam uma incômoda contradição com o recorrente discurso do presidente contra ¿as elites¿.

¿ Como dizem os economistas, não há almoço grátis. Não há doação de campanha desprendida. Claro que a relação não é necessariamente escusa, corrupta. Mas é um tipo de convicção política que pode ser relacionado à doação. É o caso do dinheiro dado pelos bancos. A política econômica de Lula tem favorecido muito o setor bancário. Claro que não se pode dizer que a política econômica está sendo feita dessa maneira por causa do dinheiro que esse setor vem pondo na candidatura dele, mas ocorre o que chamamos de criação de um ambiente favorável ¿ diz o sociólogo Emil Sobottka, da PUC-RS.

Para o professor Eurico Lima Figueiredo, coordenador do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), o discurso de Lula atacando as elites, com a revelação das empresas que injetaram dinheiro em sua reeleição, ganha contornos demagógicos:

¿ É notório que há relação entre o exercício do poder político e os grandes interesses. Isso acontece no mundo todo. Quando Lula, presidente da República, portanto parte legítima e autêntica da elite, ataca essa elite, se escusa de si mesmo. Se o presidente da República não é elite, então quem é? O mendigo da esquina? Trata-se, portanto, de discurso descolado da realidade, com objetivos demagógicos, que visa a obscurecer essa relação, tornada pública graças ao fato de estarmos numa democracia, entre o PT e os interesses fortes que aí estão. Basta ver os nomes dos doadores

Sobottka destaca que, de Getúlio Vargas para cá, os governantes utilizam um discurso sobre a divisão de riquezas mais à esquerda, mais progressista do que a prática política posterior que demonstram, e que ¿a tendência messiânica¿ os leva a buscar um inimigo para centrar seus ataques:

¿ Talvez Lula tenha exagerado no tom contra as elites por romantismo político, por ter um índice maior de confiança dos eleitores ou até porque a distância entre seu discurso e sua prática política seja mesmo maior, e é uma lástima que o discurso contra as elites tenha ainda alguma credibilidade. Fernando Collor de Mello escolheu os marajás, Lula, que mostra certa tendência messiânica em seu discurso, escolheu as elites. Mas, na prática, são elas que bancam as campanhas.