Título: MOTIVO PARA DESESPERO
Autor: CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Fonte: O Globo, 30/11/2006, Opinião, p. 7

Cem bilhões de reais ¿- esse é o número. É o dinheiro extra a ser aplicado em investimentos para que o país possa crescer 5% no próximo ano.

Esses são os recursos que o presidente Lula vem procurando encontrar desde que ganhou as eleições e garantiu que desta vez o país há de crescer.

Cem bilhões de reais de novos investimentos ¿ é muito ou é pouco?

É muito. Equivale a 5% do Produto Interno Bruto, o valor de tudo que se produz no país, incluindo mercadorias e serviços. Hoje, o Brasil investe 20% do PIB e isso, conforme razoável entendimento entre os economistas, garante um crescimento anual de 4%, em boas circunstâncias locais e internacionais. Para elevar essa capacidade de crescimento para os 5% ao ano, por um longo período, o investimento anual precisaria aumentar cinco pontos percentuais, chegando aos 25% do PIB ¿ os tais R$100 bilhões.

Como o presidente Lula tem percebido, o setor público não tem como arrumar esse dinheiro. Essa, aliás, é a fonte da irritação que Lula tem exibido quando fala em ¿destravar a economia¿.

Entretanto, faz tempo que se sabe que o governo, nas condições atuais, não tem como ampliar seus investimentos.

Pedindo desculpas para apresentar alguns números, eis os dados básicos: até outubro último, o governo federal gastou R$133 bilhões pagando benefícios da Previdência; R$83 bilhões com salários do funcionalismo; R$56 bilhões com juros; R$96 bilhões com ¿custeio e capital¿.

São os gastos efetivamente feitos com o dinheiro arrecadado com impostos, taxas e contribuições. A conta de juros é maior, mas o governo paga apenas uma parte e rola o que sobra.

Os investimentos (aplicações em estradas, portos etc.) estão na rubrica ¿custeio e capital¿. Mas a maior parte vai para o custeio, despesas com o funcionamento da máquina, itens que incluem de merenda escolar a controle do tráfego aéreo. O que sobra para investimento é muito pouco, menos de R$15 bilhões daquele bolo de R$96 bilhões.

Consolidando: o governo federal gastou até outubro R$297 bilhões em Previdência, pessoal e custeio. De onde tirar mais R$100 bilhões? Isso será equivalente, ao final do ano, ao total da folha de salários.

Ou ainda: até o final do ano, o governo federal vai pagar algo como R$65 bilhões de juros, o dinheiro do superávit primário. Logo, mesmo que eliminasse todo o superávit e desse calote total nos credores, criando uma crise financeira, ainda assim o governo não alcançaria os R$100 bilhões.

O presidente, portanto, tem motivo para desespero. Cada vez que se reúne com a equipe econômica, o pessoal tortura os números para arranjar um bilhão aqui, dois ali tirando um pedacinho do superávit e só dá mixaria.

Somando os investimentos de governos estaduais e prefeituras, o total do setor público chega a no máximo 1,5% do PIB. Considerando este ano todo, seriam R$30 bilhões para um PIB previsto de R$2 trilhões.

Fechando as contas: o Brasil está investindo cerca de R$400 bilhões/ano, para os quais o governo contribui, sempre no máximo, com míseros R$30 bilhões. Os restantes R$370 bilhões vêm do setor privado, nacional e estrangeiro.

Acrescente-se: as despesas correntes do governo federal, com Previdência, pessoal e custeio, vêm crescendo ao ritmo de 16% ao ano. Não é muito diferente nos estados e nas prefeituras, muitos dos quais estão falidos, como reclamou o próprio Lula nesta semana.

Tudo somado e subtraído, tem algum jeito de o governo arrumar novos investimentos sem fazer as reformas que permitam a contenção, primeiro, e redução, depois, dessas despesas correntes? Precisa ou não de uma reforma da Previdência, o maior item de despesa, com déficit crescente?

Também vai precisar do setor privado, que já investe quase tudo e teria condições, facilmente, de arranjar mais R$100 bilhões para novos investimentos, se encontrasse bom ambiente de negócios. O que seria bom? Regras claras e duradouras, com segurança jurídica e de aplicação simples e rápida, que garantissem ao investidor o retorno de seus investimentos, se ele vier a fazer um bom negócio, bem administrado. E ainda não existem essas regras, por exemplo, para licenciamento ambiental, nem para o importante setor de saneamento.

Também vai precisar privatizar. Se o governo não tem o dinheiro para estradas e usinas hidrelétricas e o setor privado tem, é óbvio que é preciso passar as obras para as companhias privadas.

Querer os R$100 bilhões sem reformas e sem privatizar, só vai dar em desespero.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenberg@cbn.com.br.