Título: É POSSÍVEL CONTROLAR AS ENCHENTES
Autor: MARCELO MIGUEZ e FLÁVIO CESAR BORBA MASCARENHAS
Fonte: O Globo, 30/11/2006, Opiniao, p. 7

As enchentes urbanas vêm fazendo parte, com freqüência, da rotina dos habitantes das grandes cidades, tendo como principal causa de agravamento o próprio processo de urbanização. Nas grandes cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro, pode-se constatar a ocupação desordenada do solo urbano, a remoção da cobertura vegetal da bacia, com a conseqüente impermeabilização da superfície, ocupação de grandes extensões de várzeas naturalmente inundáveis, além do aumento na geração de lixo e esgoto sanitário, coletados e tratados inadequadamente. Todos estes fatores modificam e causam impactos no sistema de drenagem natural, que sofre também alterações diretas pela implantação de canais artificiais. A conseqüência dessas ações causa o aumento da freqüência, da magnitude, da rapidez e do tempo de permanência das cheias que têm causado prejuízos à cidade.

O controle das enchentes urbanas pode ser feito através de medidas estruturais diversas, que modificam a paisagem da bacia, tais como reservatórios de amortecimento, com características de detenção ou retenção, estruturas de infiltração, ações de reflorestamento, implantação ou ampliação de canalizações etc. No entanto, medidas não-estruturais, como a elaboração de planos diretores de drenagem urbana, zoneamento de áreas de inundação, criação de sistemas de alerta, programas de educação e preservação ambiental também deveriam ser adotadas pelo governo como normas de prevenção.

O eterno canteiro de obras em que se transformou o Rio de Janeiro, com programas de remodelação urbanística, também pode ser aproveitado para a minimização das enchentes. Neste caso, é possível adaptar o ambiente urbano de forma a que sejam projetadas áreas de lazer em tempo seco, funcionando como reservatórios nas cheias. As obras assumiriam características de paisagens multifuncionais. A integração de soluções de drenagem com a revitalização e valorização do espaço urbano pode ser um caminho importante para a solução do problema de cheias, seja pela possibilidade de projetar ações sobre toda a bacia urbanizada, fugindo do foco tradicional que sobrecarrega a rede de drenagem, seja pela possibilidade de financiamento, pelo poder público, de obras com múltiplas finalidades, que poderiam ter boa aceitação pela população ao possibilitar a melhoria do ambiente urbano.

Em termos práticos, tem-se a cidade do Rio de Janeiro como um ambiente altamente urbanizado, com diversas ocupações irregulares em áreas de encosta, e sofrendo regularmente com problemas de enchentes urbanas. A Prefeitura Municipal desenvolve, desde de 1993, um programa de revitalização do espaço urbano, atuando em praças públicas, na redefinição do alinhamento de ruas, criação de áreas de estacionamento, reforma de passeios e, também, reformulando a rede de drenagem nos locais de atuação. Este programa é conhecido como Rio-Cidade.

No entanto, no Programa Rio-Cidade, o tratamento dado ao problema de cheias recai quase que exclusivamente na revisão da rede de drenagem. A partir da análise dos projetos implementados em Vila Isabel, Andaraí e Grajaú, com conseqüências sobre a região da Praça da Bandeira, um grupo de pesquisadores da Escola Politécnica da UFRJ propõe ações alternativas, com o aproveitamento das paisagens multifuncionais, evitando a atuação sobre a rede de drenagem existente e controlando os escoamentos gerados de forma distribuída.

Entre estas atuações, destacam-se: a possibilidade de reurbanização das praças, para funcionarem como reservatórios temporários de detenção, fazendo uso de quadras esportivas, pistas de skate e parques com níveis abaixo das ruas; utilização de pavimentos permeáveis em passeios; a proposição de canteiros com capacidade de retenção de parte da água escoada; a desconexão de determinadas áreas do sistema de drenagem, entre outras. O dinheiro público, gasto em obras de reurbanização, também poderia minimizar os estragos das chuvas, agravados pela própria urbanização.

MARCELO MIGUEZ e FLÁVIO CESAR BORBA MASCARENHAS são professores da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.