Título: Um golpe no tráfico classe A
Autor: Antônio Werneck
Fonte: O Globo, 30/11/2006, Rio, p. 17

PF prende 12 na orla da Zona Sul e da Barra após denúncia de pai de usuário

Um empresário desesperado da Zona Sul do Rio, que resolveu em junho procurar a Polícia Federal ao descobrir que o filho usuário de drogas sintéticas passara a traficar, levou policiais federais a desarticularem ontem, cinco meses depois, a maior quadrilha de traficantes de ecstasy e LSD que agia no Estado do Rio. Ao todo, 12 pessoas foram presas no Rio e no Paraná, na operação batizada de Tsunami ¿ uma referência à orla carioca, onde a maioria das prisões aconteceu. Os presos são acusados de, ao longo dos últimos três anos, montarem uma rede de tráfico que se comunicava por sites de relacionamento e aliciava jovens em festas rave. O envolvimento do filho com o tráfico, que levou seu pai a pensar até em deixar o país com a família, não foi comprovado pela PF durante as investigações.

A operação começou por volta das 4h de ontem. Quatorze mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Copacabana, Leblon, São Conrado, Barra da Tijuca, Recreio, Jacarepaguá, Poços de Caldas (MG) e Curitiba (PR). Ao mesmo tempo que agentes da PF percorriam os endereços ¿ alguns deles em prédios de classe média alta ¿ e realizavam prisões, a Justiça Federal do Rio determinava o confisco de bens registrados em nome da quadrilha e de seus parentes. Uma estimativa feita pelos agentes federais chegou ao valor de R$5 milhões em bens adquiridos pela quadrilha com a venda de drogas.

Justiça apreende 14 apartamentos

Apenas na orla da Zona Sul do Rio, entre Copacabana e São Conrado, 14 apartamentos comprados com o dinheiro do tráfico foram confiscados, juntamente com duas lojas no shopping Barra Square. A decisão de seqüestrar os bens é da 8ª Vara Federal Criminal do Rio. Contas bancárias (pelo menos 17, em nomes dos envolvidos) e carros usados pelos criminosos também foram confiscados por ordem da Justiça Federal, atendendo pedido da Polícia Federal. O delegado Victor Cesar Carvalho dos Santos, diretor da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da PF, que coordenou toda a operação, disse que a quadrilha de traficantes não tinha um único chefe, ¿mas vários para executar determinadas funções¿:

¿ Eles atuaram no Rio nos últimos três anos e cada membro tinha uma função específica: um cuidava da distribuição da droga, outro da compra e pelo menos dois financiavam todas as atividades, como pagar jovens de classe média que eram recrutados em raves para serem ¿mulas¿ (transportadores).

As primeiras prisões aconteceram em Jacarepaguá: o engenheiro Jorge Luiz Dias Piraciaba, de 50 anos, e seu filho, o estudante Daniel Rego Barros Piraciaba, de 24. Jorge é ex-funcionário de uma multinacional sediada em São Paulo e dono da loja JPM3 Serviços Eletrônicos, no shopping Barra Square, na Avenida das Américas. O imóvel foi um dos bens seqüestrados. Segundo a PF, o estudante foi levado ao tráfico pelo próprio pai.

¿ Ficamos bastante surpresos quando descobrimos, durante as investigações, que o garoto havia sido levado pelo pai para o mundo das drogas. É um paradoxo: enquanto um pai procura ajuda para tirar o filho do vício, outro empurra o filho ¿ disse o delegado Victor Cesar.

Segundo as investigações da Polícia Federal, a quadrilha comprava cocaína no interior de São Paulo e em Goiás; e aliciava ¿mulas¿ (quase sempre jovens freqüentadores de raves) que viajavam ¿ com a promessa de receberem até R$3 mil ¿ para a Holanda (Amsterdã) para trocar a cocaína por drogas sintéticas. As ¿mulas¿ saíam de São Paulo ou do Rio. Na volta para o Brasil, já com ecstasy e LSD na mala, seguiam para o Rio ou para São Paulo em vôos com escala em Portugal ou em Paris.

Uma das ¿mulas¿ usadas pela quadrilha, o paraibano Yuri Kulesza, de 23 anos, foi preso em setembro deste ano com 20.850 pontos de LSD, avaliados em mais de R$1 milhão. O rapaz voltava ao Rio de Amsterdã, na Holanda, num vôo da TAP com conexão em Lisboa. Os policiais federais, durante as investigações, identificaram o agiota Alberto Moraes Neto, o Lagarto, e o empresário Jorge Piraciaba como os financiadores da quadrilha. Outro importante membro da quadrilha era André Mussi Figueiredo, o Pulga, preso ontem em Curitiba. Ele seria o responsável por vender até três mil comprimidos de ecstasy, cada um por R$50, no Paraná.

A PF também prendeu Júlio César Marinho Jordão Laje, o DJ Julinho, acusado de atuar como distribuidor de drogas sintéticas em festas supostamente financiadas pela quadrilha. Dos 13 mandados de prisão expedidos pela Justiça Federal, apenas um deixou de ser cumprido: Francisco Barroso Júnior, o Chico, conseguiu fugir e estaria foragido.