Título: O ESTADO NAS MÃOS DE CHÁVEZ
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 30/11/2006, O Mundo, p. 37

Personalismo do presidente venezuelano o faz controlar os poderes da República

No grande cartaz no centro de Caracas, Hugo Chávez faz ¿cara de conteúdo¿. Com o queixo apoiado no indicador e no polegar, tem um ar inteligente. Ao lado, no mesmo cartaz, a frase: ¿pensamentos que se transformaram em obras¿. A primeira das obras listadas é a ¿continuação¿ do recolhimento de lixo no local que, por sua vez, precisa ser mais bem pensado, pois sacos de lixo estavam sobre a calçada ao lado do cartaz.

O local não fica longe do Panteão Nacional, no qual estão os restos mortais ou estátuas em honra dos grandes libertadores do país na Guerra de Independência. Nos tempos de Chávez foram acrescentados duas novas obras no local. A primeira não é uma estátua humana, mas um politicamente correto púcaro indígena, em honra aos ¿povos e caciques da resistência entre 1560 e 1568¿. E outra ¿ politicamente perigosa ¿ é uma placa da revolucionária Josefa Camejo: ¿Hugo Chávez Frías, presidente da República Bolivariana da Venezuela, rende homenagem à mulher venezuelana.¿ Não é o Estado que homenageia, como nos monumentos a Simón Bolívar e Francisco de Miranda. É Chávez, o mesmo que pensou o recolhimento do lixo. Na Venezuela oficial de hoje, as diferenças entre Estado, governo e seu presidente estão cada vez menores.

Hoje, quase toda a máquina do Estado passa pelas mão do presidente. Grande parte do poder conseguido pelo Executivo foi conseguido na Constituição de 1999. A Assembléia Constituinte foi convocada no auge da popularidade do presidente recém empossado, o que concedeu a aliados de Chávez maioria absoluta. Antes mesmo de promulgada, a assembléia concedeu a si própria o direito de destituir juízes ¿ mais de 190 foram expurgados ¿ e decidiu suspender as atividades da Assembléia Nacional.

O mandato presidencial foi aumentado de cinco para seis anos. Entre os poderes do presidente está o de dissolver a Assembléia Nacional. Ele tem o poder de indicar os juízes da Suprema Corte e o Conselho Nacional Eleitoral, além do defensor público (função que supervisiona os trabalhos dos três poderes) e o controlador geral das finanças do Estado.

A concentração de poder de Chávez acaba criando distorções que se refletem na campanha eleitoral. Ontem, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou que, apenas em novembro, o canal estatal Venezolana de Televisión expôs Chávez por quase 87 horas (311.932 segundos), contra menos de duas horas (6.640 segundos) do opositor Manuel Rosales. Também houve um desequilíbrio nas TVs privadas, mas proporcionalmente menor: Rosales teve 55.823 segundos contra 37.125 segundos de Chávez. O CNE também afirmou que 47% de todas as infrações eleitorais ocorridas até agora foram provocadas por funcionários públicos.

Militarização do governo e da linguagem política

Mas não foi apenas a Constituição de 1999 que ampliou os poderes de Chávez. O presidente demonstrou ser um excelente estrategista na luta pelo poder. Depois da tentativa de golpe que o tirou do poder por 47 horas em abril de 2002, ele aproveitou para expurgar as Forças Armadas de todos os oficiais que lhe faziam oposição. A longa greve dos funcionários da PDVSA, a estatal de petróleo, no fim de 2002 e início de 2003, foi pretexto para que ele demitisse 18 mil funcionários da empresa, que agora é controlada por ele.

Não é possível dizer que Chávez partidarizou o governo, pois dificilmente seu Movimento Quinta República (MVR) poderia ser considerado um partido. Fundado em 1997, para possibilitar a candidatura de Chávez à Presidência, até hoje o MVR não realizou sequer um congresso para definir sua linha ideológica.

Mas a característica mais marcante do governo Chávez é a militarização do Estado. O jornal ¿El Universal¿ recentemente publicou que mais de cem militares ocupam cargos de direção ou de confiança no governo e em empresas estatais. Mais do que isso, o linguajar da política governamental mudou. A liderança da campanha presidencial de Chávez se chama Comando Miranda. Os grupos regionais são divididos em batalhões, como o Batalhão Siembra Petrolera, de funcionários da PDVSA, que ontem à tarde fazia campanha na Avenida Bolívar.

A tendência de Chávez para a concentração de poder entre os militares vem desde os tempos em que tentou derrubar o governo de Carlos Andrés Péres, em fevereiro de 1992. Nos anos que antecederam a tentativa de golpe ele travou contato com antigos líderes da guerrilha de esquerda dos anos 1960, como Douglas Bravo. Porém, quatro meses antes de fracassar, Chávez cortou todos os laços com os movimentos civis que conspiravam junto com ele. Queria que o levante fosse inteiramente militar.