Título: Renda dos mais pobres cresce em ritmo chinês
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 01/12/2006, Economia, p. 36

No topo da pirâmide brasileira, porém, expansão foi de apenas 0,9% ao ano entre 2001 e 2005, segundo o Ipea

BRASÍLIA. Enquanto a renda de quem está entre os 10% mais pobres da população brasileira cresceu 8% ao ano, de 2001 a 2005, quem está no topo da pirâmide viu seus rendimentos aumentarem só 0,9%. Em outras palavras: para os mais pobres, a sensação foi a de viver na China, país que puxa o desenvolvimento econômico do planeta. Para os mais ricos, foi como estar na Costa do Marfim, estagnado país africano. O diagnóstico foi apresentado ontem pelo economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ricardo Paes de Barros, ao falar sobre os avanços na redução da desigualdade no Brasil.

¿ Para os mais ricos, o país ficou parado. Mas a política social colocou os mais pobres brasileiros na China ¿ disse, em palestra no seminário ¿O Desafio da Redução da Desigualdade e da Pobreza¿, no Ipea.

Defesa do Bolsa Família como redutor de desigualdade

Barros, um dos maiores especialistas em estudos socioeconômicos da América Latina, afirmou que o Bolsa Família, programa de transferência de renda de maior visibilidade no governo Lula, é o instrumento mais eficaz para combater a pobreza. Mais até do que o salário mínimo, cujos aumentos reais na última década também são apontados como fator de redução da desigualdade.

O pesquisador comparou o impacto de um reajuste de 10% no mínimo, que, segundo ele, geraria gasto adicional de R$7,4 bilhões por ano ao governo, com a aplicação do mesmo montante no Bolsa Família. Resultado: enquanto o aumento do piso reduziria a pobreza em 3% no estrato dos 20% mais pobres da população, o programa de transferência de renda seria capaz de reduzir a desigualdade em 11%.

Barros afirmou que, entre 124 países, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro supera o de 64%. Mas a renda per capita dos 20% mais pobres, quando comparada ao mesmo grupo, só é maior do que a de 43% dos países. Fenômeno inverso ocorre quando se analisam os dados dos 20% mais ricos. Nessa parcela da sociedade brasileira, o rendimento é superior à do mesmo estrato em 70% dos países.

¿ Se olharmos para os nossos ricos, estamos bem. Se olharmos para os pobres, não ¿ resume Barros.

Ele disse que, no atual ritmo, o Brasil levará 25 anos para que os 20% mais pobres da população atinjam o mesmo nível de renda dos 20% mais pobres da Tunísia, país do Norte da África. Esse prazo pode ser encurtado, segundo ele, se o ritmo de crescimento econômico aumentar e for mantido o atual modelo de distribuição de renda.

O pesquisador sugeriu, no entanto, mudanças no Bolsa Família. Ele disse que é possível que o programa desestimule a procura por emprego, embora ressalve que isso não tenha sido constatado em pesquisa que conduz para o Ministério do Desenvolvimento Social. Ele defendeu prazo mínimo de permanência de dois anos, independentemente de o beneficiado aumentar sua renda, e diferenciação da linha de pobreza para entrada e saída. Hoje, para ter direito ao auxílio, é preciso comprovar renda per capita abaixo de R$120 por mês. Teoricamente, quem ultrapassa esse valor perde a bolsa.