Título: Empresas privadas e classe média perdem
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 01/12/2006, O Mundo, p. 39

Importadores e setor financeiro se beneficiam, mas economia informal cresce na gestão Chávez

BUENOS AIRES. Desde que o presidente Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, o número de empresas privadas caiu de 14 mil para sete mil, indicam dados extra-oficiais estimados por economistas locais. Os empresários nacionais estão entre os mais prejudicados pela autoproclamada revolução bolivariana de Chávez, que, em contrapartida, beneficiou amplamente os importadores, o setor financeiro, empresas de telecomunicações, companhias petrolíferas e, em menor medida, os setores populares. Os pobres passaram a ter acesso às chamadas missões bolivarianas ¿ os programas sociais do governo chavista, que melhoraram a saúde, a educação e a alimentação das famílias de menores recursos, mas não resolveram o problema crônico da pobreza.

¿ Os mais beneficiados pelo governo Chávez foram, sem dúvida, os importadores e o setor financeiro. Este ano, as importações alcançaram um recorde de US$30 bilhões. O problema é que são basicamente bens de consumo, não são bens industriais para melhorar a produção nacional ¿ explicou ao GLOBO o economista e professor Angel Oropeza, da Universidade Simón Bolívar, por telefone.

Corrupção já é denunciada pelos próprios chavistas

Nos últimos dois anos, as importações aumentaram 35% ao ano. A Venezuela compra alimentos, manufaturas e bens de consumo. O governo Chávez não impulsionou a produção nacional, condenando grande parte dos empresários locais à falência. A estratégia oficial estimulou a criação de empregos precários: estima-se que até 57% da mão-de-obra estejam no setor informal, o que prejudicou a classe média, mais bem preparada.

No caso do setor financeiro, explicou Oropeza, os bancos foram favorecidos pela emissão de bônus da dívida interna venezuelana, leiloados pelo governo para absorver a liquidez do mercado (com a venda de títulos públicos, o governo reduz a quantidade de dinheiro em circulação, estratégia destinada a conter a inflação, uma das mais altas do mundo) e revendidos pelas instituições financeiras a preços muito mais altos. Em 1999, a dívida do Banco Central atingia US$1,2 bilhão, e hoje é estimada em US$16 bilhões.

¿ Os bancos nunca ganharam tanto dinheiro. Mas é uma faca de dois gumes porque se o governo decidisse retirar os títulos de circulação, muitas instituições quebrariam.

Entre os abençoados pela revolução bolivariana, os setores populares foram dos mais protegidos. De acordo com dados oficiais, em 2007 o governo pretende destinar 44% do Orçamento nacional às mais de 20 missões criadas desde 2004. Graças às missões educacionais, o analfabetismo foi praticamente erradicado, uma das principais bandeiras da revolução chavista.

¿ O lado escuro das missões é a corrupção, que já está sendo denunciada pelos próprios chavistas, e o clientelismo. Para ter-se acesso aos programas, o governo exige fidelidade partidária ¿ disse o economista José Guerra, ex-chefe de investigações do Banco Central da Venezuela (BCV).

A sociedade venezuelana como um todo empobreceu, afirmou Oropeza, pois a renda da população ainda é inferior a 1998, apesar de o país ter crescido cerca de 10% nos últimos dois anos. No entanto, admitiu o economista, a desigualdade social diminuiu desde que Chávez chegou ao Palácio Miraflores. Para injetar recursos nas classes mais humildes, o presidente ampliou de forma expressiva o gasto público nacional: em 1998, ele representava 20,5% do PIB; em 2005, o percentual subiu para 27,4%. Além das missões, o governo criou dezenas de empresas, ampliando a máquina estatal como nunca antes na História do país. O Estado venezuelano produz alumínio, petróleo, ferro, têxteis, alimentos e até chocolate. O dinheiro destinado a outros países, como Cuba e Bolívia, é um grande mistério, embora a imprensa afirme que Chávez investiu quase US$20 bilhões em outros países.