Título: Papa reza em Mesquita voltado para Meca
Autor:
Fonte: O Globo, 01/12/2006, O Mundo, p. 41

Gesto histórico surpreende muçulmanos e até o Vaticano. Pontífice tirou os sapatos para entrar no templo

ISTAMBUL. Num gesto surpreendente, o Papa Bento XVI rezou ontem por alguns instantes ao lado de clérigos muçulmanos, voltado para Meca e com as mãos cruzadas na altura da cintura, posição tradicional para a oração no Islã. O momento histórico, transmitido pela TV turca, ocorreu durante a primeira visita do Pontífice a um templo islâmico, a Mesquita Azul, em Istambul.

Ao chegar na mesquita, o Papa tirou os sapatos e colocou pantufas brancas para entrar no templo. Ele foi recebido pelo grão-mufti de Istambul (líder religioso), Mustafa Cagrici. Após apresentar o templo, o clérigo pediu a Bento XVI uma pausa para oração. O Papa, num gesto que surpreendeu o grão-mufti, se posicionou da mesma forma que ele e com a cabeça baixa começou a rezar. Minutos depois, os dois ficaram lado a lado para fotos e trocaram presentes.

¿ Esta visita nos ajuda a encontrar meios e caminhos da paz para o bem de toda a Humanidade ¿ disse o Papa após a visita.

O gesto que espantou os muçulmanos também pegou de surpresa o Vaticano. O porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, não reconheceu que Bento XVI de fato rezou na mesquita voltado para Meca.

¿ Ele fez uma pausa para meditação e certamente dirigiu seus pensamentos a Deus ¿ disse o porta-voz.

A Mesquita Azul, chamada oficialmente de mesquita Sultão Mehmet, foi inaugurada em 1616 e é a mais famosa da Turquia. Ela deve seu nome aos belos azulejos azuis da sala principal de orações. O templo islâmico fica na mesma praça que a Santa Sofia, uma antiga igreja, depois transformada em mesquita e posteriormente em museu, onde o Papa estivera um pouco antes.

A ida à mesquita não estava na agenda do Papa inicialmente e foi incluída, segundo o Vaticano, em mais um sinal de respeito ao Islã, depois do polêmico discurso de setembro, na Alemanha, que despertou a fúria dos países árabes. Antes de Bento XVI, somente João Paulo II havia entrado em uma mesquita, na Síria, em 2001. Desde que chegou à Turquia para uma visita de quatro dias, o Pontífice tem tentando melhorar suas relações com o Islã. Ao declarar apoio ao ingresso do país na União Européia, ganhou elogios da imprensa local e a simpatia de políticos e líderes religiosos que não viam com bons olhos sua visita.

Esquema de segurança leva caos a Istambul

A visita do Papa à mesquita foi marcada por um dos esquemas de segurança mais fortes já vistos em Istambul. Todo o templo foi cercado por policiais, atiradores de elite e agentes da inteligência. Ruas e estradas por onde passou a comitiva foram bloqueadas ao trânsito e carros blindados do Exército se posicionaram em locais estratégicos da cidade. Como resultado, poucos protestos e um caos no trânsito da metrópole que tem mais de 12 milhões de habitantes.

¿ Não sou contra o Papa, sou contra a confusão que ele provocou em Istambul. Não dá para chegar no horário marcado em nenhum compromisso, tudo está caótico ¿ disse um administrador de empresas.

Além da visita histórica, Bento XVI assinou ontem com o líder da Igreja Ortodoxa Bartolomeu I, patriarca de Constantinopla, uma declaração conjunta considerada o mais importante passo para a união das duas igrejas. O caminho de reconciliação entre católicos e ortodoxos começou em 1965, quando o Papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras retiraram as excomunhões mútuas desde o cisma de 1054. No entanto, segundo analistas, pouco se evoluiu desde então.