Título: Com orgulho para mostrar o rosto
Autor: Robarta Jansen
Fonte: O Globo, 01/12/2006, O Mundo / Ciência e Vida, p. 42

Brasileiros contam suas histórias abertamente para alertar população

Maria nem sabia o que era Aids em 2000, quando começou a emagrecer. Foram 18 quilos em poucos meses, mas os turnos puxados como faxineira de um shopping em Niterói e a alimentação a base de lanches a fizeram crer que nada de mais grave acontecia. Até que ela caiu doente e, internada, recebeu o diagnóstico: era soropositiva.

¿ ¿O que é isso, doutor?¿, eu perguntei porque nem sabia o que era, só sabia o que era câncer. E ele me falou que era a doença do Cazuza ¿ lembra Maria, que faz questão de dizer seu sobrenome, José Santos. ¿ Todos conhecem a minha história, não tenho nada a esconder. Aconteceu, estou me tratando e é isso.

Como tantas mulheres em sua faixa etária ¿ Maria tem 51 anos ¿ ela contraiu o vírus do marido, com quem fazia sexo sem proteção. Quando ele adoeceu e morreu ¿ ¿ele não aceitava se tratar de jeito nenhum¿ ¿, Maria soube por vizinhas que o companheiro costumava sair com ¿mulheres da vida e homossexuais¿. Mas não guarda mágoas.

¿ Sou humana e no começo senti, claro. Mas é como o casamento: no início a gente acha que vai tudo correr às mil maravilhas. Depois, os obstáculos aparecem e a gente aprende a superar ¿ diz. ¿ Ele aprontava muito, pulava a cerca, era triste. Mas também era um homem bom, que criou a minha filha com carinho e, mesmo não sendo o pai, sempre a respeitou. Era um homem que se não pudesse adiantar seu lado, também não atrapalhava. Claro que eu sinto falta dele. Homem dentro de casa faz falta, né?

Maria abre o sorriso para dizer que está muito bem e já tem até um pretendente.

¿ É um senhor de uns 70 anos que eu conheci lá na fila do vale-transporte ¿ conta. ¿ Ele pediu para conversar comigo por cinco minutos e foi falando um monte de coisas lá na fila mesmo, que queria me conhecer mais e me pagar um crediário, que tava apaixonado. Depois foi lá em casa tomar um café, mas eu avisei: ¿Devagar com a andor, moço, que o santo é de barro.¿

Pretendentes também não faltam a João Bernardo da Silva. O relojoeiro de 66 anos conta que tem duas namoradas. Diferentemente de boa parte dos homens de sua geração, ele faz questão de usar preservativos. Sempre que passa pela sede do grupo Pela Vidda, em Niterói, onde recebe assessoria jurídica, pega camisinhas.

João não tem Aids, mas vive de perto o problema ao longo da vida porque tem um filho hemofílico, que contraiu o vírus no início dos anos 80, quando ainda era criança e o sangue usado nas transfusões não era testado para o HIV.

¿ O brasileiro tem mania de achar que tudo só acontece com os vizinhos ¿ sustenta, mostrando-se orgulhoso de contar sua história. ¿ Não tenho nada a esconder de ninguém. Eu sou um homem solteiro, tenho que me prevenir. Por mim e pela mulher que está comigo. É melhor fazer sexo seguro do que depois um ficar empurrando para o outro a responsabilidade. No início, a gente estranha usar camisinha, mas depois acostuma. (Roberta Jansen)