Título: HIV muda a face da epidemia
Autor: Robarta Jansen
Fonte: O Globo, 01/12/2006, O Mundo / Ciência e Vida, p. 42

No Brasil, Aids surpreende e adquire perfil diferente do de outros países

Em 25 anos, a epidemia de Aids já adotou várias faces em todo o mundo. De ¿câncer gay¿ em países ricos no início dos anos 80 a uma doença majoritariamente de mulheres e jovens das periferias do mundo desde o fim dos 90, a Aids se reinventa e avança sem trégua. No Brasil, a doença surpreende especialistas ao adquirir um perfil bem diferente do registrado em outros países e envelhecer: sua incidência cresce entre pessoas com mais de 50 anos.

O último Boletim Epidemiológico, divulgado na semana passada, deixa bastante explícita a tendência. Entre 1996 e 2005, na faixa etária de 50 a 59 anos, a taxa de incidência entre os homens passou de 18,2 para 29,8; entre as mulheres, cresceu de 6,0 para 17,3. No mesmo período, há aumento da taxa de incidência entre indivíduos com mais de 60 anos. Nos homens, o índice passou de 5,9 para 8,8. Nas mulheres, de 1,7 para 4,6.

Os especialistas não sabem exatamente por que isso acontece, mas acreditam que a tendência reflete questões comportamentais, como o aumento do uso de remédios contra a impotência e a conseqüente intensificação da vida sexual dos mais velhos. Aliado a isso, há uma resistência maior ao uso do preservativo nessa faixa etária.

¿ Quanto mais velha a pessoa, menos ela usa o preservativo, isso é confirmado por pesquisas de comportamento sexual ¿ aponta a diretora do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, Mariângela Simão.

Essa inesperada alteração nos padrões de disseminação da doença no Brasil chama atenção para uma outra, das mais perversas, características da Aids: não se pode deixar nenhum flanco a descoberto. Nem mesmo no país que foi pioneiro no acesso universal aos medicamentos e que é citado como exemplo a ser seguido em todo o mundo. O último boletim da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a doença mostrou que em países onde o crescimento da doença parecia estabilizado, caso de Uganda e Tailândia, a epidemia voltou a crescer.

¿ A idéia geral em relação ao Brasil é que, diante do que está acontecendo em todo o mundo, é extremamente importante atentar para o fato de que a doença está sob controle aqui, mas não está eliminada ¿ aponta Paulo Teixeira, consultor da OMS. ¿ E qualquer desatenção pode significar retomada e intensificação. O que aconteceu em Uganda pode acontecer em qualquer lugar.

O exemplo dos adolescentes e dos jovens

O diretor de Iniciativas Globais do Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids), Luiz Loures, concorda.

¿ A epidemia tem uma dinâmica complexa e é preciso ser cuidadoso ao tentar explicar determinadas tendências; há sempre vários fatores envolvidos ¿ afirma Loures. ¿ É muito difícil prever com exatidão o que vai acontecer. No caso de Uganda, por exemplo, são múltiplos os fatores ligados à retomada.

Mas os especialistas vêem um lado extremamente positivo nos números brasileiros. Embora a incidência venha aumentando entre os mais velhos, ela revela tendência de queda na população mais jovem ¿ um dos maiores desafios mundiais hoje.

¿ A adoção de medidas de prevenção pelos jovens é o que o mundo todo persegue ¿ sustenta Teixeira. ¿ E acho isso muito positivo para o Brasil.