Título: Aos 84 anos, aposentada ajuda filhos e netos
Autor: Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 02/12/2006, O País, p. 3

Renda de um salário mínimo é fundamental para custear as despesas de toda a família

SALVADOR. A aposentada Clarisse Pereira da Encarnação, de 84 anos, acostumou-se desde muito cedo ¿ casou-se aos 18 anos ¿ à responsabilidade de ajudar o marido na manutenção financeira da casa e dos 12 filhos, mesmo tendo se casado num período em que tradicionalmente o homem era o provedor da família. Viúva há mais de 20 anos, ela se manteve à frente da família, arcando com as despesas da casa, a despeito de a maioria dos seus filhos ter constituído família e bancar o próprio sustento.

Restou-lhe uma filha solteira, e tempos depois outros dois filhos, todos com mais de 45 anos, que terminaram o casamento e retornaram à casa da mãe, necessitados da sua ajuda financeira. O dinheiro pouco, um salário mínimo, ainda ajuda a bancar despesas dos filhos casados, que a procuram nos momentos de dificuldade. No período de Natal, todo o décimo-terceiro se vai nos agrados em roupas e sapatos para os netos.

Dona Clarisse aposentou-se como autônoma tardiamente, já depois de fazer 60 anos, orientada por uma amiga sobre os seus direitos.

¿ Nem lembro há quanto tempo estou aposentada, me parece que na época o salário era R$70 ¿ diz ela.

Sem estudo ¿ é semi-analfabeta, mas diz que dá para assinar o nome ¿ dona Clarisse não teve opção no mercado de trabalho e se acostumou a lavar roupa, ofício que aprendeu com a mãe em Mar Grande, na Ilha de Itaparica, onde nasceu.

Orgulha-se, no entanto, de nunca ter lhe faltado clientela. O marido, pintor de parede, nem sempre tinha trabalho, embora fosse considerado bom no pincel. E o dinheiro das lavagens ajudava a sustentar os filhos:

¿ O certo sempre foi comigo, era assim no passado e continua assim agora. Nunca tive preguiça para trabalhar. Meu marido era bom pintor, mas nem todo dia as pessoas pitam a casa, enquanto a roupa tem que ser lavada ¿ compara, ao lembrar a dureza da vida.

Hoje a lavadeira aposentada continua ajudando a sustentar os três filhos. O filho Walter Pereira abraçou a profissão do pai, mas lhe falta trabalho. Às vezes passa até três meses sem atividade.

A filha Waldneide também sem muita escolaridade, presta serviço em uma pequena creche, mas ganha pouco, mal dá para se vestir e calçar. E o filho Luiz, também pintor autônomo, mora em uma casa vizinha, mas faz as refeições com a mãe. A aposentada ajuda os filhos como pode e diz que gostaria de ter um pouco mais de dinheiro livre, mas se conforma:

¿ Enquanto eu puder e eles precisarem, ajudo.