Título: Transporte barato tem subsídio
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Fonte: O Globo, 02/12/2006, Opinião, p. 7

Acomparação proposta pelo jornalista Elio Gaspari entre os sistemas de transporte das cidades do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Nova York abre caminho para um debate extremamente oportuno.

O artigo de Gaspari nos leva a perguntar por que Rio ou São Paulo não conseguem oferecer, a exemplo de Nova York, condições especiais para que seus cidadãos possam ter seus gastos diários com o transporte reduzidos. A resposta não é mencionada, mas é clara. Nos Estados Unidos, como na grande maioria dos países europeus, o transporte coletivo urbano é subsidiado de forma direta ou indireta.

Para se ter uma idéia de como isso ocorre, no ano de 2001, nos Estados Unidos, o subsídio médio ao transporte correspondia a cerca de 50% do seu custo, conforme dados da American Public Transport Association (APTA). O aporte era dividido pelas autoridades locais, estaduais e federal, o que já denota que a preocupação com o transporte extrapola os limites da cidade. A receita operacional cobria a outra metade dos custos, sendo que somente 35% tinham origem na venda de passagens, enquanto cerca de 15% provinham de outras receitas, como a publicidade nos veículos e em pontos de parada e estações de metrô.

Em Paris, onde a diversidade de modalidades também é grande e existem vários bilhetes, com todo tipo de integração intra e intermodal, a receita responde por 30% a 35% do custo operacional, a diferença sendo coberta por subsídios diretos e indiretos, estes últimos garantidos por fonte de custeio definida por um imposto de 2% devido pelos empregadores sob determinadas condições.

A complementação do custo em Estocolmo é garantida pela cobrança de um imposto sobre o salário de toda a população ativa, independentemente de ela fazer uso ou não do transporte coletivo. A participação da tarifa varia em torno de 30% dos custos operacionais.

Nas cidades européias, como nas norte-americanas, portanto, o transporte é subsidiado, variando apenas quanto à fonte de custeio a ser adotada. A definição do valor do subsídio é uma decisão política.

E no Rio de Janeiro, por que não há condições de serem aplicados os mesmos critérios? Primeiramente, porque os preços praticados já são inferiores à tarifa calculada. Já chegamos a uma defasagem entre tarifa e preço de cerca de 28%, com médias nunca inferiores a 20%. Nestas condições, poderíamos até chegar ao extremo de afirmar que essa diferença é uma forma de oferecer tarifa social, mas à custa do operador.

Outro fator importante é o das gratuidades, concedidas a idosos (aliás, as únicas previstas na Constituição Federal), estudantes, portadores de deficiência, bem como a outros públicos numericamente menos expressivos. Mais de 25% dos passageiros hoje transportados no Rio de Janeiro se beneficiam de alguma forma de gratuidade, sem qualquer compensação ou subsídio por parte do poder público.

Kombis e vans transportam no Rio, hoje, de 1,5 milhão a 2 milhões de passageiros por dia em completa ilegalidade. O tipo de veículo não atende ao que o Conselho Nacional de Trânsito estabelece para o transporte de passageiros em termos de segurança, bem mais de 50% deles sequer têm registro de bem, a autorização para operar é uma fantasia jurídica, sem falar que estado e município não recolhem qualquer imposto. A anarquia é total.

Agora vem o lado perverso de todas estas situações: quem paga por tudo isso? Qual o reflexo para os usuários dos serviços regulares de transporte que não dispõem de benefício algum, tais como gratuidades e vale-transporte?

O vale-transporte é um benefício social, pois a contribuição do trabalhador ¿ ou seja, o que dele pode ser descontado ¿ não pode ultrapassar a 6% de seu salário. Para efeito da receita do sistema, o beneficiário do vale-transporte não representa perda. É jogo empatado entre o trabalhador e o operador. No caso das gratuidades, o resultado pende para os que são por elas beneficiados. O operador não recebe nada, pois, como dissemos, não há subsídio.

Já a perda de receita provocada pela operação ilegal das Kombis e vans é total. Se há ganhador, estes são unicamente os donos destes veículos.

É o poder público que calcula a tarifa e define o preço a ser praticado, mas há que se considerar que a perda de receita não influencia o custo do sistema, já que este é função da variação dos preços dos insumos e da quilometragem produzida. A redução do número de passageiros transportados vem se manifestar no cálculo da tarifa, que é encontrada dividindo-se o custo quilométrico por um índice que expressa o número de passageiros transportados por quilômetro (IPK). Quanto menor o número de passageiros, menor o valor deste índice, pois a quilometragem produzida não varia.

A conclusão que se segue não é difícil: a perda de passageiros leva ao aumento da tarifa e o preço do transporte precisaria ser subsidiado para não acompanhar esta variação. Como não é, a defasagem entre o preço e a tarifa é sempre mantida, em prejuízo dos operadores.

Este é o aspecto perverso de toda a situação: paga mais caro aquele que não tem direito a qualquer benefício, geralmente os que não dispõem de emprego formal.

É por isso que nos países desenvolvidos o poder público subsidia o transporte, buscando fonte de recursos para aplicá-la numa das atividades mais importantes da vida moderna, assegurando o inalienável direito de ir-e-vir.

SÉRGIO BALLOUSSIER é engenheiro.