Título: Pimenta na cerveja
Autor: Erica Ribeiro
Fonte: O Globo, 02/12/2006, Economia, p. 41

Mercado afirma que a mexicana Femsa tem cacife para brigar com a AmBev no Brasil

Depois de sete anos praticamente sem ser incomodada, a AmBev se depara, enfim, com uma concorrente de peso no mercado de cervejas no país. O apetite da mexicana Femsa, que no início do ano comprou a Kaiser, só cresce. Para especialistas, a AmBev, com históricos 68,7% do mercado, terá na Femsa, por enquanto dona de 8% do setor, um concorrente com cacife financeiro para investir de forma agressiva em ações e campanhas de marketing, lançamento de produtos ¿ inclusive de seu portifólio fora do Brasil ¿ e até fazer aquisições. O mercado poderá assistir ao embate entre uma empresa brasileira que há dois anos faz parte do conglomerado global InBev com a segunda maior engarrafadora da Coca-Cola no mundo ¿ que usará a força de vendas da fabricante de refrigerantes para crescer no Brasil.

Criada em 1999, a AmBev uniu as concorrentes Brahma e Antarctica e, assim, fez sumir a guerra das cervejas. O analista de bebidas Pedro Galdi, da ABN Amro Real Corretora, acredita que a concorrência de Femsa será agressiva e já é percebida pelas brigas em andamento. A vantagem da AmBev, segundo ele, é ter uma forte estrutura logística e mercadológica:

¿ A disputa será boa, mas devemos lembrar que AmBev já tem estrutura muito forte no país, o que entendo que lhe dá certa vantagem. O mercado de bebidas do Brasil apresenta um potencial muito grande nos próximos anos, decorrente do cenário econômico favorável. Fatores como melhora da renda e aumento da base de empregos prometem ampliar as vendas do setor. Quem estiver instalado se dará melhor. Talvez seja este o motivo de a Femsa estar tão agressiva.

Para Alexandre Garcia, da corretora Ágora Senior, se a Femsa tiver interesse em adquirir ativos, terá uma condição mais favorável, já que reduziu seu endividamento:

-¿ Isso permite que ela volte a se alavancar (assumir mais dívida) para adquirir ativos, o que não me surpreenderia, pois eles são bem agressivos.

As duas empresas já protagonizam disputas judiciais e alfinetadas em campanhas publicitárias. Um bom exemplo é a chegada ao Rio e a São Paulo, até o fim do ano, da marca Dos Equis, produzida pela Femsa no México. Na outra ponta, a AmBev lança, depois de amanhã, a pedra fundamental de uma fábrica de garrafas de vidro em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Promete a entrada de uma nova cerveja no mercado até o fim do ano e mais investimentos nos carnavais carioca e paulista.

A AmBev chegou a brigar na Justiça e no Conselho Nacional de Auto-Regulação Publicitária (Conar) com a Schincariol, na famosa disputa pelo garoto-propaganda Zeca Pagodinho. Mas a cervejaria paulista, que tem 12% de mercado, não dispõe do poder financeiro da Femsa para ganhar muito mais participação.

A guerra entre a AmBev e a Femsa se acirrou em outubro, quando a mexicana lançou a Sol brasileira, e foi acusada pela concorrente de ter um rótulo muito parecido com o da Skol. O caso está na Justiça. Já a Femsa alega que a marca Puerto del Sol, lançada pela AmBev, leva o mesmo conceito de sua nova aposta, a Sol brasileira. Por enquanto, a Femsa leva a melhor: uma liminar da Justiça paulista manda a AmBev retirar a Puerto del Sol do mercado. A AmBev diz que não foi notificada, mas fontes afirmam que ela vai recorrer.

O mercado aposta em aquisições da Femsa. Um dos alvos seria a cervejaria Petrópolis ¿ o que as duas desmentem. Para uma fonte do setor, que avalia a Petrópolis, dona das marcas Itaipava e Crystal, em R$1,2 bilhão, a aquisição seria boa para os dois lados. A Femsa compraria os 7% de mercado que a Petrópolis tem. E, para a Petrópolis, seria a possibilidade de aumentar sua produção, já que suas fábricas operam no limite.

A AmBev, mesmo afirmando que sua disputa é com todas as marcas, diz que nunca esteve tão preparada para a concorrência.

¿ Gostamos de competir. Desde a criação de AmBev, 15 cervejarias surgiram no país. Mas nosso objetivo é liderar. A Femsa chega no lugar de uma grande cervejaria, a Molson (ex-controladora da Kaiser). Mas há Schincariol e Petrópolis, marcas competitivas ¿ diz Milton Seligman, diretor de Relações Corporativas da AmBev.

Para Seligman, a grande concorrência com a Femsa, que é engarrafadora da Coca-Cola também no Brasil, será em refrigerantes.

¿ Estamos vendo que quando a força de vendas de Coca-Cola começa a se distrair e perde o foco, temos aí um mercado competitiva.

Para uma fonte do mercado, os distribuidores da Coca-Cola, em condições adversas, poderiam frear a distribuição de cerveja.

No México, a Femsa afirma que o foco no Brasil é consolidar sua marca para ser rentável. Perguntada sobre a possibilidade de ser um forte concorrente da AmBev no Brasil, despista: diz que a vinda é resultado da experiência de três anos à frente da gestão da área de refrigerantes, quando identificaram o Brasil como um mercado chave.