Título: Guerra na imprensa refleta batalha nas urnas
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 02/12/2006, O Mundo, p. 48

Controle do presidente sobre mídia governamental e apoio dos meios privados à oposição comprometem imparcialidade

CARACAS. A entrevista concedida pelo principal candidato da oposição venezuelana, Manuel Rosales, na noite de quinta-feira à emissora RCTV chegava ao fim. O entrevistador se despediu dizendo:

¿ Espero, por mim e por meus filhos, que o senhor seja eleito domingo.

Momentos antes, quando o candidato iniciava suas declarações finais, o programa fora interrompido para uma repentina cadeia nacional de TV do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), no qual alertava os meios de comunicação a não divulgarem dados de pesquisas de boca-de-urna antes dos primeiros números oficiais.

Na volta à programação normal, o mesmo entrevistador desabafou:

¿ Há oito anos isso acontece. Algumas vezes por algo inútil. Outras para fazer ameaças, como agora.

Este período de cinco minutos é representativo da péssima relação entre os meios de comunicação venezuelanos e o presidente.

Em seu relatório de 2006, a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) pôs a Venezuela no 115º lugar num ranking de liberdade de imprensa com 168 países. A principal razão disso foi a Lei de Responsabilidade Social dos Meios de Comunicação. Um jornalista pode ser condenado a até 40 meses caso cometa uma ¿ofensa contra o presidente da República¿.

Antes do início de todos os programas de TV, os canais devem categorizá-lo nos quesitos sexo, violência e linguajar. Os telejornais noturnos, por exemplo, começam depois de um aviso de que são programas de informação que só podem ser vistos por crianças sob a supervisão de responsáveis. E no que depender das últimas declarações de Chávez antes do encerramento da campanha, a ação do Estado contra canais de TV pode se tornar ainda mais dura. Na noite de quinta-feira, o presidente insinuou que não renovará a concessão do canal RCTV, pois seus donos seriam ¿inimigos declarados do governo¿.

¿ Se eles têm o direito de ser inimigos do governo, como chefe de Estado tenho direito de não dar a concessão.

Outra ação do governo que irrita jornalistas é o uso indiscriminado de cadeias nacionais de TV, realizadas sem qualquer aviso, a qualquer hora, como a do CNE, quinta-feira à noite, na sua segunda cadeia do dia. ¿Em seus oito anos de governo houve cerca de 1.500 cadeias presidenciais, nas quais ele dedica boa parte do tempo a um discurso auto-referencial, a recordar peripécias infantis, a massagear permanentemente seu ego e a adular seus partidários , escreveu o sociólogo venezuelano Óscar Lucien no jornal ¿El Nacional¿.

Por outro lado, alguns canais fazem oposição aberta ao presidente, como a RCTV ¿ que só se refere ao presidente como ¿tenente-coronel¿ ¿ e o canal de notícias 24 horas Globovisión. Também jornais como ¿Tal Cual¿ e, principalmente em sua área editorial, ¿El Universal¿ e ¿El Nacional¿. Em entrevista esta semana, Marcel Granier, presidente do grupo 1BC ¿ dono da RCTV ¿ disse:

¿ Nunca houve opções tão claras. Se o eleitor quiser que seus filhos sejam doutrinados nas escolas, há um candidato. Se quer uma educação normal, há outro.

Se o canal estatal nos últimos dias só transmite propaganda do governo, a Globovisión exibiu todos os últimos comícios de Rosales. Toda a semana o canal só recebeu líderes opositores para seus programas sobre a eleição, e chegou a ensinar como usar a máquina de votação para eleger Rosales. (R.G.)