Título: Eu pedi um apoiozinho ao doutor Palocci
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 03/12/2006, O País, p. 15

Tesoureiro petista admite que ex-ministro da Fazenda ajudou na arrecadação de recursos para campanha de Lula

Sentado em seu gabinete na tarde da última sexta-feira, com um sorriso escancarado no rosto, o prefeito de Diadema, José de Filippi Jr. (PT), não escondia a felicidade.

¿Voltei para o meu paraíso ¿ dizia.

Era seu primeiro dia de retorno à prefeitura da cidade na região metropolitana de São Paulo, para a qual foi eleito três vezes. Nos cinco meses anteriores Filippi exerceu a espinhosa e arriscada função de tesoureiro da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição. Em pouco mais de uma hora de entrevista ao GLOBO, ele revelou que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e diretores da Abemi, entidade que recebeu R$228 milhões da Petrobras, ajudaram na captação de recursos. Para Filippi, no entanto, a criminalização dos doadores de campanhas pode levar a democracia brasileira a um impasse, com a ausência total de financiadores do processo eleitoral.

¿ Poderíamos criar um fundo que deixasse as empresas não tão vinculadas aos partidos e candidatos como são hoje ¿ sugere ele. ¿ Seriam os financiadores da democracia.

A relação dos doadores da campanha de Lula, que inclui bancos e grandes empresas, contraria o discurso do presidente de perseguição das "elites"?JOSÉ DE FILIPPI: Isso é um exercício de reconhecimento do papel e da identidade de cada um e de regras de convivência entre as duas partes. Muito provavelmente esses doadores não votaram no Lula mas viram que ele fez uma política da qual muitos deles se beneficiaram e ganharam dinheiro. Se atingirmos nosso objetivo de fazer o Brasil crescer mais os empresários vão ganhar muito dinheiro. Mas existe um preconceito. Pode ser dos dois lados? Pode ser. Mas parte das elites preferia que não fosse Lula o presidente.Se os doadores não votaram em Lula, por que financiaram a campanha?FILIPPI: Tem uma coisa de participar do processo político querendo mostrar que estão ajudando a eleger os que têm mais chances. As empresas não querem muitas mudanças, né? Mas garanto que o presidente não vai tomar nenhuma medida levando em conta quem ajudou na eleição. Sessenta empresas doaram 80% do dinheiro arrecadado. É um volume muito pequeno perto do universo de empresas do país.Quais as principais dificuldades que o senhor enfrentou na captação de recursos?FILIPPI: A primeira é financeira. Diziam que estavam em dificuldade etc. As multinacionais alegavam normas internas, vindas das matrizes, para não doarem. Outras empresas diziam que não podiam por causa da relação com os acionistas. Eles diziam, no linguajar deles: isso aqui é uma despesa ruim. Ou seja, não tem nenhum tipo de benefício, incentivo. Sou contra isso porque viraria um financiamento público mascarado de privado. Mas precisamos pensar um mecanismo eficiente de financiamento privado.As denúncias de caixa dois atrapalharam?FILIPPI: Sentimos que algumas empresas gostariam de ficar anônimas e como não havia mais essa possibilidade não participariam. Aí vem a pergunta lógica: então na outra eleição teve caixa dois? Houve uma preocupação muito maior nessa eleição. Coisas que passavam descuidadas mereceram maior atenção, como as doações em espécie de papel, camisetas etc. Neste ano tivemos R$6 milhões em doações estimáveis. O que eu posso afirmar é que não houve caixa dois na campanha do presidente Lula deste ano.As campanhas podem ser barateadas?FILIPPI: Podem. Isso deve ser uma preocupação dos candidatos e partidos. O foco maior é na receita mas poderíamos ter alguns mecanismos para racionalizar os gastos, um planejamento anterior. Porque no pique da campanha fica difícil. Nós não jogamos recursos para cima, fizemos sempre cotações em três lugares, mas podemos avançar muito nisso.O preço cobrado pelos publicitários não é alto demais?FILIPPI: Acho um pouco caro. Passei a respeitar e gostar muito do João Santana e conseguimos aplicar bem os recursos. Mas ele também tem gastos altos.Nesta eleição houve aumento das doações para os diretórios dos partidos, que depois repassam o dinheiro para os candidatos. O diretório do PT foi o maior doador individual de Lula. Estas doações não aparecem nas prestações de contas dos candidatos e não estão sujeitas a restrições legais. Como isso funciona?FILIPPI: Eu normalmente iniciava a conversa e quando percebia que o diretor da empresa queria fazer essa doação para o partido indicava o tesoureiro (do PT) Paulo Ferreira. Eu até andava com a conta do PT na minha pasta. Eles diziam que iriam doar para o partido e nós decidiríamos o que fazer com o dinheiro. Alguns até sugeriam passar um pouquinho para um ou outro candidato. Uma dessas empresas recebeu uma orientação da matriz, no exterior.É uma forma de burlar a lei?FILIPPI: Não. Não é doação oculta. É doação com contabilidade distinta. É uma brecha na lei? Acho que sim. Foi uma prática que partiu do lado dos doadores e não foi só com o PT.Qual a argumentação dos doadores?FILIPPI: Eles querem se livrar de demandas dos candidatos que ficam batendo na porta. Teve uma empresa que eu procurei umas oito vezes e quando consegui falar com um diretor ele me mostrou uma relação de doações feitas ao partido.Houve algum caso de doador que escolheu para quem o dinheiro deveria ser enviado?FILIPPI: Alguns dizem que o foco é nos parlamentares afinados com o que eles defendem porque querem ter amparo no Congresso. Dizem que não querem privilégios mas também não querem ser afetados por uma lei proposta pelo concorrente.O senhor ficava constrangido em pedir dinheiro?FILIPPI: É muito chato. Mas me senti honrado. O presidente passou uma procuração me autorizando a assinar tudo, inclusive cheques, por ele. Isso é uma honraria. Mas estou voltando para o paraíso. Eu me amparei na causa pela qual lutei. Pelo presidente Lula, pela continuidade dessa política, pensando nos pobres brasileiros sem demagogia e sem fantasia. Eu falo essas coisas para a minha consciência. Mas é muito chato. Normalmente eu ligava e me diziam que o diretor estava viajando. Nunca se viajou tanto como nas semanas que antecederam o primeiro turno. (Risos) O senhor teve ajuda de outras lideranças do PT?FILIPPI: O prefeito Fernando Pimentel (de Belo Horizonte) me ajudou. O prefeito Edinho Silva (Araraquara-SP) também. Inclusive o primeiro doador é a Cutrale e quem me apresentou ao José Luiz Cutrale foi o Edinho. O prefeito João Coser (Vitória), Jorge Viana (governador do Acre) e também pedi um apoiozinho ao doutor (Antonio) Palocci. Aliás, prefeito Palocci, meu colega de prefeitura. Alguns deputados como o Ricardo Berzoini (presidente afastado do PT) ajudaram bastante. Enfim, gente que estava em campanha. Foi uma rede. Procuramos mobilizar todos os contatos e possibilidades. Falei com a Clara Ant (assessora da Presidência da República), que foi a tesoureira em 1998.José Dirceu ajudou?FILIPPI: Tive um contato muito rápido com ele para falar sobre Diadema mas nessa área de captação ele não ajudou. O comitê de empresários, liderado pelo Lawrence Pih (Moinho Pacífico) ajudou. Como eles ajudaram?FILIPPI: Eu andava muito por São Paulo e eles me disseram para ir a Belo Horizonte, ao Rio de Janeiro, Vitória.A Abemi (Associação Brasileira de Engenharia Industrial) ajudou?FILIPPI: Tive um contato com um ex-professor meu na Escola Politécnica (da USP) que participa da Abemi e acabou indicando por exemplo empresas que fazem montagem, empresas que fazem impermeabilização. Naquela dificuldade de conseguir dinheiro acabei retomando contatos com algumas pessoas. Isso teve um sabor especial.O senhor sabia que a Abemi foi escolhida sem licitação para um convênio de R$228 milhões com a Petrobras?FILIPPI: Eu desconheço isso. São coisas distintas. A Abemi em si não contribuiu. Das empresas que fazem parte da Abemi meia dúzia fizeram doações.Doações vultosas.FILIPPI: É. Mas o fato de ter um convênio não interfere. O que nós fizemos foi pegar as relações de empresas associadas às entidades como a Abemi porque estava com dificuldade de chegar em algumas empresas. Busquei as instituições para podermos ter acesso ao conjunto das empresas, a este ou aquele diretor. Mas sinceramente isso não deu muito certo. Fui falar com a Fiesp, por exemplo, embora tenha procurado o Paulo Skaf (presidente da Fiesp) e não tenha conseguido falar com ele. Na Abemi eu pedi ajuda e eles me indicaram meia dúzia de estaleiros. Lamentavelmente só consegui doações de um. Fiz mais de 200 reuniões. Trabalhei. Sei que o Fernando Henrique Cardoso ajudou o Geraldo Alckmin. É gente que passou oito anos freqüentando o poder.Foi possível tirar lições que ajudem no aperfeiçoamento do sistema de financiamento eleitoral?FILIPPI: Poderíamos criar um fundo que deixasse as empresas não tão vinculadas aos partidos e candidatos como são hoje. Elas se vinculariam ao processo eleitoral. Seriam financiadoras da democracia. E se estabeleceria critério para distribuição do dinheiro captado pelo fundo.Seria uma postura altruísta dos doadores?FILIPPI: Não tem altruísmo. O diretor de uma empresa de bebidas me falou que era interessante financiar porque em um país democrático as pessoas consomem mais o produto dele. É uma outra forma de ver o processo. Não é interesse explícito. Não é toma lá da cá. A preocupação é que com essa dificuldade dos doadores, cada vez em menor número, e a tentativa de criminalizar as doações eleitorais pode levar a um impasse na democracia. Se essas empresas não contribuírem mais. Quem vai financiar o sistema político brasileiro?Quem?FILIPPI: Se não mudar a legislação, e acho que não teremos grandes mudanças, não sei responder. O cidadão em geral não tem dinheiro para financiar ¿ e essa cultura deve ser repensada. Vamos ter que buscar um jeito.