Título: Nos EUA, um baby boom gay
Autor: Adauri Antunes Barbosa e Ciça Guedes
Fonte: O Globo, 03/12/2006, O País, p. 21

Pelo menos 150 mil casais têm crianças em casa

NOVA YORK. Numa escola de Park Slope, bairro com maior concentração de escritores de Nova York, um casal gay estava preocupado: a filha tinha sido alvo da implicância de um colega, que fizera perguntas sobre o fato de a menina ter dois pais. Logo depois o casal estava sem jeito, ao descobrir que o ¿implicante¿ tinha duas mães e por isso surpreendeu-se com as duas figuras paternas na casa da colega.

A lenda urbana americana ilustra o ¿baby boom gay¿ em cidades como Nova York, Boston, San Francisco e outros bolsões da modernidade nos EUA. As professoras já se acostumaram com crianças referindo-se às mães ou pais no plural, as pracinhas estão cheias de casais homos e heteros conversando, e as agências de adoção ou consultórios de inseminação artificial proliferam, assim como as associações de filhos de pais gays ou lésbicas.

Depois dos bares e clubes reservados a homossexuais, agora a expansão é dos serviços para casais gays com filhos: vão desde a organização de chás de bebê, cruzeiros marítimos, colônia de férias até a venda de óvulos ou esperma a candidatos a iniciar uma família.

Nos últimos 30 anos, o movimento homossexual se uniu em torno da denúncia da discriminação dos gays, mas a batalha agora parece ser pelo direito a casar e ter filhos. O censo de 2000 constatou que 150 mil casais do mesmo sexo tinham crianças em casa, mas certamente o número é muito maior, porque as primeiras tabulações da mesma pesquisa de 2005 indicam que nesse período cresceu 24% o número de casais masculinos e 14% o de femininos.

David Strah, corretor de imóveis, e seu companheiro Barry Miguel, presidente de uma empresa de moda, foram pais pela primeira vez em 1998 e ficaram surpresos com a mudança de vida. Os dois faziam parte da contracultura de Downtown Manhattan e surpreenderam-se com como o novo papel de pai os distanciava da comunidade gay. Para entender melhor a nova vida, David foi à procura de casais homossexuais que tiveram a mesma experiência e acabou escrevendo um livro, ¿Gay dads¿, com o depoimento de 24 famílias, todas muito diferentes entre si, tendo em comum só o fato de serem dois homens criando filhos juntos.

¿ Os gays estão tendo muitos filhos, é uma revolução ¿ diz David, 39 anos, pai de Zev, 8 anos, e Summer, 5.

O ¿baby boom gay¿ foi estimulado pela mudança na legislação de vários estados americanos permitindo que, ao ser adotada, a criança também seja legalmente filha do companheiro (a). Subterfúgio que, na prática, dá o direito de gays serem legalmente pais ou mães. Mesmo bem antes disso, casais do mesmo sexo já vinham criando filhos sem angústia de verem as crianças serem discriminadas no colégio.

¿ A biblioteca da minha escola tem livros como ¿King and king¿, no qual o príncipe casa com o irmão da princesa ¿ conta uma professora de Nova Jersey.

Claro que nem tudo é tão simples. Os EUA estão politicamente rachados entre conservadores e liberais, com estados governados por republicanos aprovando leis que definem casamento como uma união entre homens e mulheres. O argumento principal dos conservadores é que o casamento gay ameaçaria os valores da família, deixando implícito que homossexuais não seriam capazes de criar filhos saudáveis. Não há pesquisas aprofundadas sobre o assunto, mas professores que estudaram o comportamento dessas crianças constataram que elas são iguais às criadas pelos casais heterossexuais. Os advogados da American Civil Liberties Union citam estudos sugerindo que filhos de gays são tão ajustados quanto os dos hetero ou até mais, por terem a cabeça mais aberta e serem mais tolerantes.