Título: Em busca da igualdade na hora de adotar
Autor: Adauri Antunes Barbosa e Ciça Guedes
Fonte: O Globo, 03/12/2006, O País, p. 21

Professores de direito pedem que OAB leve ao STF ação para equiparar casais homo e heterossexuais

SÃO PAULO e RIO. Os mestres em direito Adriana Galvão e Luiz Manoel Gomes Júnior, professores da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), estão solicitando ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que determine a todos os juízes do país que os pedidos de adoção de crianças por casais homossexuais sejam tratados com as mesmas exigências de casais heterossexuais. Adriana e Gomes Júnior são professores do advogado e mestrando da Unaerp Heveraldo Galvão, que ganhou, pela primeira vez no Brasil, causa de um casal homossexual masculino, de Catanduva (SP), que quis adotar um filho.

Mais ampla, a proposta dos professores da Unaerp é para que a OAB ajuize uma argüição de descumprimento de preceito fundamental (ação cujo objetivo é ¿evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público¿) no STF. Caso o Supremo acolha o pedido, não haverá mais discriminação de casais homossexuais, já que todos os direitos conquistados, e não só o de adotar filhos, deverão ser estendidos a todo o país.

¿ Os casais serão avaliados de maneira igualitária para saber se apresentam as condições necessárias, por exemplo, para adotar uma criança ¿ explicaram os professores.

O presidente em exercício da OAB, Aristóteles Atheniense, disse que é muito difícil a entidade encaminhar o pedido dos professores de Ribeirão Preto ao STF em curto prazo, já que, no fim de janeiro, a OAB irá eleger seu novo presidente, que só assume em fevereiro. Ele não quis opinar sobre o assunto.

¿ Não tenho o menor juízo sobre a questão ¿ esquivou-se.

O pedido ao STF terá que passar pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Morte pode levar ao fim da família

Enquanto as questões jurídicas se arrastam, segue a rotina do ¿faz de conta¿ que a criança é adotada por um homem ou uma mulher solteiros. Quem faz o pedido à Justiça é um dos parceiros, que se passa por solteiro. Se houver suspeita de que se trata de um casal gay, o processo pode seguir ou o pedido pode ser negado sob outra justificativa.

¿ A preocupação deve ser com o direito da família, não apenas com a questão da homossexualidade. As famílias mudaram neste terceiro milênio. Fechar os olhos a essa realidade é fechar os olhos aos direitos que são negados às crianças adotadas. Se morre o parceiro em nome de quem foi feita a adoção, a criança se torna órfã, embora tenha convivido com a outra parte ¿ diz a desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pioneiro no reconhecimento dos homossexuais no âmbito do direito de família.

Foi no estado que aconteceu a primeira decisão conferindo a adoção de uma criança a duas mulheres de Bagé. A sentença, deste ano, foi do desembargador Luiz Felipe Brasil Santos.

A família da carioca Hedi Costa de Oliveira sentiu na pele o que ela chama de ¿crueldade da legislação¿. Após 20 anos de relação estável, e com três filhos adotados, um acidente de carro matou sua companheira, Sandra, três anos atrás, e deu início ao pesadelo.

¿ A Deborah e o Rafael tinham sido adotados por ela. Em meu nome está o José Marcos. Perdi o olho esquerdo, tive múltiplas fraturas, mas o que mais doía era pensar que meus filhos seriam separados. A sorte é que tínhamos feito, oito anos antes do acidente, um documento nomeando uma a outra tutora das crianças, em caso de morte ¿ conta Hedi. ¿ Mesmo assim, o vínculo de romperá quando eles completarem 18 anos, e o José Marcos não tem direito à herança de sua outra mãe, que legalmente é só de seus irmãos.

Casal de SP se torna exemplo

A conquista do reconhecimento na Justiça da paternidade de Theodora, de 4 anos, por Vasco Pedro da Gama, de 38, e Júnior de Carvalho, de 46, passou a ser um símbolo da luta por direitos iguais. O casal de Catanduva, a cerca de 380 quilômetros de São Paulo, passou ainda a ser exemplo para outros homossexuais que querem adotar filhos.

Os professores Toni Reis, de 43 anos, e David Harrad, de 48, de Curitiba, já passaram por todas as etapas do processo de adoção, que dura um ano e meio. Eles aguardam apenas a decisão do juiz.

¿ Juntamos a decisão de Catanduva no nosso processo. É sempre uma força a mais. Estamos muito confiantes ¿ disse Reis, que contou que em nenhum momento eles sofreram preconceito ou discriminação por serem homossexuais.

Das seis etapas necessárias para a adoção, ele diz que já passaram por todas, incluindo documentação, entrevistas com psicólogos e assistentes sociais, cursos de adoção e até visitas a abrigos.

¿ Nós queremos que tudo seja legalizado. Mas queremos também ter o direito como qualquer cidadão ¿ disse.

Reis acredita que a possibilidade de adoção por casais homossexuais pode dar oportunidade para que muitas crianças tenham um lar.

¿ Tudo sendo feito dentro da lei, como defendemos, muitas e muitas crianças vão poder ter um lar, até mesmo crianças de 6 ou 7 anos ¿ disse ele, que está lendo, junto com Harrad, o livro ¿Gay Dads¿ (¿Pais gays¿), do americano David Strah (veja texto nesta página). O Brasil tem cerca de 200 mil crianças em abrigos e orfanatos.

A desembargadora Maria Berenice, do TJ-RS, confirma a tese de Reis:

¿ A experiência mostra que os casais homossexuais não escolhem tanto quanto os heteros, e aceitam com mais facilidade crianças não-brancas e com mais idade.

Para o advogado Heveraldo Galvão, que representou Vasco e Júnior em Catanduva, o resultado positivo da ação deve fazer com que mais crianças sejam adotadas por casais homossexuais masculinos.

¿ Os pedidos de adoção de casais homossexuais podem ser mais aceitos, não só por juízes, mas por todos.