Título: Crescimento desigual traz dúvidas sobre 2007
Autor: Luciana Rodrigues e Mariza Louven
Fonte: O Globo, 03/12/2006, Economia, p. 52

Câmbio afeta setores exportadores, mas construção civil promete ano positivo. Consumo perde fôlego e preocupa

Assim como neste ano, a economia brasileira deverá ter em 2007 setores em franca expansão e outros ainda patinando. O dólar, mais uma vez, tem tudo para ser o vilão do crescimento, com importações aumentando mais do que exportações e, assim, impedindo uma alta maior do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas pelo país). Por outro lado, a construção civil deve repetir o bom desempenho de 2006. As mudanças de rota ficarão por conta do consumo das famílias, que deve perder o ímpeto, enquanto a agropecuária pode se recuperar, depois do fraco resultado nos últimos dois anos.

Os supermercadistas estão entre os que, apesar de terem ampliado em 5% o volume vendido, vão fechar o ano com queda no valor e só vêem perspectiva de mudança se o PIB crescer mais, informa o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Carlos de Oliveira. Já os construtores comemoram:

¿ A construção civil é como um trem que ganha velocidade, movido pelo aumento da oferta de financiamento. Temos oito lançamentos este ano e 11 programados para 2007 ¿ contabiliza o presidente da construtora CHL e vice-presidente da Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi), Rogério Chor.

As previsões variam de expansão de 2,8% até 4% do PIB em 2007. Mas os especialistas são unânimes em afirmar que o câmbio pouco competitivo afetará as indústrias têxtil, de calçados e mobiliário, entre outras, pelo segundo ano seguido.

O economista Sérgio Vale, da MB associados, prevê um saldo comercial de US$37 bilhões, contra US$45,5 bilhões deste ano. Na sua avaliação, o saldo vai diminuir porque as importações vão crescer 9% e as exportações, 3,7% (em quantidade, nas estatísticas do PIB). E o dólar continuará pouco competitivo: deve fechar o ano em cerca de R$2,30.

Por outro lado, a agropecuária começa a dar sinais de recuperação. No terceiro trimestre, o setor cresceu 7,8% frente aos três meses anteriores. Para Jason Vieira, da consultoria UpTrend, a melhora do crédito aos produtores e a maior demanda internacional ajudaram. Alexandre Sant¿Anna, da ARX Capital, acrescenta que os preços das commodities subiram e há uma demanda maior por grãos graças aos combustíveis alternativos. Além disso, a indústria de álcool e açúcar está a pleno vapor. Ainda assim, Guilherme Bastos, da Agroconsult, calcula que as dívidas de custeio (insumos como fertilizantes e sementes) e investimento (máquinas e equipamentos) do setor, prorrogadas para 2007, chegarão a R$9 bilhões.

Os preços do petróleo também devem continuar elevados em 2007, diz Sant¿Anna. E, este ano, a Petrobras inaugurou novas plataformas que, ano que vem, alcançarão sua capacidade máxima. A indústria de máquinas e equipamentos também poderá ter um bom desempenho, graças às desonerações fiscais anunciadas pelo governo e, junto com a construção civil, levar os investimentos a repetirem seu bom desempenho no PIB.

Com a construção civil em ritmo acelerado, as vendas de cimento, por exemplo, devem superar as expectativas e chegar a 38 milhões de toneladas no ano, 8% a mais do que em 2005, informou o presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic), José Otávio Carvalho.

Se o fôlego da construção civil parece duradouro, o mesmo não se pode dizer do consumo das famílias, que este ano cresceu 3,7% entre janeiro e setembro e foi um dos motores do PIB. O comerciário Jair Santana vai gastar R$450 este ano com os presentes de Natal, contra R$350 em 2005. Na semana passada, mesmo debaixo de chuva, Santana foi às compras com os filhos na Saara. Além dos presentes, ele quer comprar ainda um freezer e um sofá:

¿ Os preços estão dentro das minhas expectativas.

A maré de consumo também favorece o setor de eletroeletrônicos, que deve crescer 14% no ano, puxado principalmente pelos segmentos de transmissão e distribuição de energia elétrica e de informática, informa a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Preços em queda e crédito farto impulsionaram, principalmente, as vendas de computadores, que devem passar de 8 milhões de unidades este ano.

As indústrias de cosméticos também não têm do que reclamar. Davide Cortinovis, diretor para a América Latina da Alfapart Milano, diz que sua empresa vai produzir este ano nove milhões de unidades de cosméticos para o cabelo, quase 20% a mais do que em 2005.

Mas, para Sérgio Vale, da MB, os ventos favoráveis para o consumo vão perder velocidade. Ele destaca que, entre 2005 e 2006, o salário mínimo teve ganho real de 20%, e o crédito ao consumidor avançou a passos largos. Mas, para 2007, Vale prevê alta real de, no máximo, 2% para o mínimo e aumento da massa salarial (soma dos rendimentos de todos os trabalhadores) de 4,3%, contra 6,1% este ano. Com isso, haverá menos espaço para avanço do crédito e das vendas do comércio.

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