Título: Abismo da educação no campo é trava para o PIB
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 03/12/2006, Economia, p. 57

Nas áreas rurais, escolaridade é a metade da média do país, repetindo a grande desigualdade do mercado de trabalho

A desigualdade gritante no mercado de trabalho se repete na educação brasileira. No campo, a distância da média brasileira é gigante. Num conjunto de seis indicadores, a população das áreas rurais, que corresponde a 15% de todo o povo brasileiro, exibe a metade da escolaridade média do país, quando se olham os anos de estudo. Só 1,9% dos jovens de 18 a 24 anos que moram no campo chegou a uma universidade, enquanto, na média do país, 10,7% da população nessa idade freqüentam faculdades.

O cientista político Mauricio Blanco, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), criou indicadores para medir o quanto a desigualdade se reflete nos índices educacionais. Desigualdade que acaba reduzindo a escolaridade média e afetando o desenvolvimento do país, com a redução da produtividade do capital humano, na opinião de pesquisadores. O estudo será apresentado amanhã, no Seminário ¿Diferentes diferenças. Construindo uma educação de qualidade para todos¿, promovido pelo Ministério da Educação, em Brasília.

¿ A desigualdade educacional no campo só perde para a dos indígenas. Há um esvaziamento claro da área rural, e a educação é contaminada por padrões urbanos. O próximo grupo mais vulnerável é o de pobres, seguido dos negros e dos homens. As mulheres estão acima da média nacional ¿ explicou Blanco, autor do estudo com as pesquisadoras Adriana Fontes, Érica Amorim, Luísa de Azevedo e Carla Amrein.

Christian Jorge Meneguci engrossa as estatísticas do campo. Não concluiu o Ensino Fundamental e está fora da escola. Morando em Campo Alegre, na zona rural de Nova Iguaçu, no primeiro assentamento do estado, criado em 1984, ele explica que deixou a escola por ter ficado doente e ter que trabalhar para ajudar a mãe nas despesas. Mas promete que volta no próximo ano:

¿ Parei em junho porque fiquei doente, mas vou me matricular na escola noturna no ano que vem ¿ afirma o jovem, que ganha cerca de R$200 para ajudar a cuidar de um sítio próximo de casa.

Escolaridade mais baixa de negro é `jogar fora 10% do PIB¿

A melhoria escolar na comunidade, que começou a se formar com a ocupação de 680 famílias na década de 80, é uma luta antiga. Segundo Josenir de Fátima da Silva, conhecida na região como Irmã Fátima, muitas vezes as crianças têm que andar mais de três quilômetros, no meio da lama da estrada de terra, para chegar à escola em Queimados. Em Campo Alegre, só funciona escola de 1ª à 4ª série:

¿ A creche, que atende a 40 crianças, montamos com ajuda de doações. Quando chove muito, o ônibus não entra na estrada, e as crianças que precisam ir para Queimados faltam ou vão a pé. Mas tivemos promessa da prefeitura de que teremos 5ª série no ano que vem.

A situação é vivida por Luciano Dutra Rodrigues, de 17 anos, que está no 2º ano do Ensino Médio:

¿ Ontem, deixei de ir à escola. O ônibus atrasou muito.

Elisângela Carvalho precisou ir para Belo Horizonte cursar a faculdade. Usará seus conhecimentos na comunidade:

¿ Estou me preparando para a educação no campo.

Para o economista Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a desigualdade é o ¿nosso problema essencial¿, que afeta diretamente a produtividade da economia:

¿ Quem estuda mais é mais produtivo. Faz uso racional dos recursos e é mais rápido no trabalho. No estudo, os negros aparecem com quase 20% menos escolaridade. Como representam metade da população, podemos estar jogando fora 10% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de todas as riquezas geradas no país).

Mas um indicador teve uma melhora significativa entre os negros, de 2002 a 2005: o acesso à universidade. Subiu de 3% da população de 18 a 24 anos para 4,8%. Mesmo assim, ainda é quase a metade da freqüência da média da população:

¿ E a possível causa dessa melhora está na política de cotas, que aumentou a proporção de negros nas universidades ¿ afirma Blanco.

As mulheres se sobressaíram positivamente. Estão acima da média, mas um indicador chamou a atenção: o percentual de jovens entre 18 e 24 anos que não concluíram o Ensino Médio, não estão estudando nem trabalhando ou procurando emprego. Enquanto, na média, essa taxa está em 10%, entre as mulheres sobe para 15%:

¿ E a causa desse afastamento certamente está na gravidez precoce ¿ diz Blanco.

Irmã Fátima confirma essa percepção: sua creche recebe muitas filhas de meninas que abandonaram os estudos.