Título: A ginástica de zelar pela imagem do Brasil
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 03/12/2006, Economia, p. 59

Entre as missões da primeira comandante da estatal está a dissociação do país com o estigma do turismo sexual

BRASÍLIA. Jeanine Pires acorda, todos os dias, cedíssimo. E, religiosamente, cumpre um ritual: malhar na academia. Esta é a forma que ela encontra para cuidar, mais do que do corpo, da mente. Aos 40 anos, ela é a primeira comandante feminina da Embratur ¿ estatal que promove o turismo verde-amarelo e que consome a maior parte de seu tempo. Casada, mãe de três filhos, não importa a carga de trabalho, Jeanine não abre mão da ginástica. Nem se está viajando ¿ o que, na nova função, transformou-se em rotina.

¿ Não fico bem se não malhar. Trabalho melhor se me exercito ¿ diz essa catarinense, que fala com sotaque nordestino e é descrita pelos que a cercam como hiperativa, exigente e sensível.

A energia para o exercício Jeanine transferiu para a Embratur em setembro, quando, com o desafio de melhorar a imagem do país no exterior, assumiu a presidência. Como mulher, sua missão declarada passa necessariamente pela dissociação do Brasil com os clichês do turismo sexual. A regra é clara para ela: foto de mulheres de biquíni, nem pensar.

Certa vez, em uma feira internacional, quando ainda era responsável pela área de eventos da Embratur, Jeanine e o então titular da empresa, Eduardo Sanovicz, largaram uma reunião no meio e correram, apavorados, ao estande do Brasil. Ao lado, havia uma escola de samba com mulheres seminuas, como se apresentam nos desfiles carnavalescos.

¿ Que alívio! Era uma escola de samba de uma cidade portuguesa, que queria nos homenagear ¿ conta.

Todo cuidado é pouco, diz ela. Quando a Embratur leva uma escola de samba para algum evento no exterior, não vão mulheres seminuas. De preferência, viajam porta-bandeiras e passistas devidamente vestidas.

¿ A imagem de um país você constrói a longo prazo e tem variáveis históricas, econômicas e culturais. Nosso objetivo é passar mensagens importantes: o estilo de vida do povo, a alegria, o jeito de receber, além das diversidades cultural e natural.

Este discurso se aproxima mais das origens de Jeanine, historiadora de formação e professora da Universidade Federal de Alagoas. Mas o coração estava em outro lugar e ela acabou entrando para o turismo, trabalhando com eventos. E se apaixonou.

¿ Costumo dizer que tenho tripla naturalidade. Nasci em Florianópolis, mas morei em Alagoas e Pernambuco.

Há dez dias, ela conseguiu reunir dez ex-presidentes da Embratur em um evento em Brasília. Discursou, fez homenagens e agradou.

¿ Jeanine é fantástica, profissional séria, competente, que tem história no turismo ¿ afirma o ex-presidente da Embratur e ex-ministro do Turismo Caio Luiz de Carvalho, elogiando sua linha clara de atuação, sem trabalhar de improviso.

O ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, concorda. Ele afirma que, com dinamismo e capacidade metódica, Jeanine tem o perfil ideal para o comando da Embratur, que, a partir do governo Lula, passou a tratar apenas do exterior.

¿ Escolhi Jeanine por duas razões: a presença inédita de uma mulher à frente da Embratur e a garantia de continuidade de uma política que achamos que vem dando resultados ¿ diz o ministro, que atribui à vitalidade da subordinada o fato de o Brasil ter subido dez posições no ranking dos países receptivos de eventos internacionais em curto espaço de tempo.

Agora, Jeanine se prepara para um novo desafio: eliminar os prováveis efeitos do filme americano ¿Turistas¿, que está para ser lançado, mostrando uma realidade cruel sobre o país e, ao mesmo tempo, equivocada. Na produção, dirigida por John Stockwell, um grupo de americanos visita o Brasil e se encanta com o povo e as belezas naturais. Mas mal sabem que serão roubados, seqüestrados, torturados e retalhados por uma quadrilha de tráfico de órgãos.

¿ É uma obra de ficção, em que o povo brasileiro fala espanhol, e a Amazônia fica no Rio. O espectador deve saber diferenciar o que é real e o que não é. Os próprios americanos mostram, em seus filmes, a corrupção na polícia, o crime organizado, e também há muita autocrítica ¿ afirma Jeanine.

O contra-ataque foi a contratação de uma agência americana encarregada de realçar na mídia dos EUA os pontos positivos do Brasil. Brigar com os produtores ou rebater o filme é bobagem, diz a presidente da Embratur. O importante agora é usar a criatividade.

Anos de experiência mostram que, para cada país, há uma receita do Brasil, segundo a presidente da Embratur. Os americanos buscam mais negócios e os europeus, a natureza. Para quem se queixa da falta de segurança, ela afirma:

¿ Isso não é prerrogativa nossa. Você vê violência e furto em Nova York, Paris, Londres, Buenos Aires e outros lugares.