Título: Pressão de Lula abre conflito no Ministério
Autor: Pastricia Duarte e Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 04/12/2006, O País, p. 4

Decisão do presidente de destravar investimentos expõe divergências entre Dilma e Marina sobre política ambiental

BRASÍLIA. A pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre sua equipe para deslanchar os investimentos em infra-estrutura colocou em campos opostos as ministras Dilma Rousseff (Casa Civil) e Marina Silva (Meio Ambiente). As duas têm posições divergentes sobre pelo menos três assuntos: a construção de novas usinas nucleares, os planos do governo de alterar a legislação de forma a acelerar os processos de licenciamento ambiental e a cobrança ostensiva por detalhamento dos motivos pelos quais grandes obras estão atrasadas no país.

De um lado, Dilma quer tirar do papel, a toque de caixa, alguns dos 120 importantes projetos de infra-estrutura, como hidrelétricas e rodovias, hoje parados por questões ambientais e judiciais. Ela cobra celeridade na concessão de licenças ambientais e explicações sobre o que já está sendo feito. O desconforto recai principalmente sobre o Ibama, que estaria demorando para finalizar suas avaliações.

De outro, em desvantagem numérica e sem ter em seu favor a obsessão pelo meio ambiente que Lula demonstra no momento pelo crescimento, está Marina. Uma das maiores líderes ambientalistas brasileiras, ela teme que alterações bruscas e sem ampla discussão acabem pondo em risco a proteção ambiental.

Usinas nucleares são motivo de discórdia no governo

A legislação é o ponto da disputa mais aguda. No Planalto e no Ministério do Meio Ambiente estuda-se a regulamentação do artigo 23 da Constituição. Dilma e Marina divergem quanto à forma de encaminhá-la. A idéia é definir de quem é a competência de conceder a licença em cada tipo de obra. A ausência desta definição é apontada pelos técnicos do governo como uma das dificuldades, porque permite o questionamento na Justiça de obras que já foram autorizadas pelo órgão ambiental estadual ou federal.

Também pretende-se, com isso, limpar os escaninhos do Ibama, deixando para ele apenas obras de grande impacto nacional. No Meio Ambiente, teme-se que, dependendo do texto final, acaba-se alijando o Ibama de questões ou projetos que o órgão considera importantes.

Outro fator de discórdia é a questão sobre quais são exatamente as pendências ambientais que impedem boa parte das obras de hidrelétricas, refinarias e rodovias no Brasil. Dilma adotou o mesmo tom de cobrança que Lula usou, pessoalmente, em uma reunião sobre o tema: quer dados concretos que permitam não só destravar os atuais empreendimentos parados como preparar-se para evitar novos impasses no futuro.

Marina e sua equipe vêem nesta cobrança uma tentativa de criar um bode expiatório para a lentidão das obras de infra-estrutura. Em suas contas, a maior parte dos empreendimentos está embargada por instâncias estaduais e municipais, Justiça e Ministério Público.

Secretário-executivo do Meio Ambiente, Cláudio Langone afirma que já foram concedidas licenças ambientais a 5.475 megawatts em potência energética (geração de usinas hidrelétricas) e que 2.437 MW ¿ ou 44,51% ¿ ainda não começaram a ser construídos. Na avaliação dele, isso ocorre por decisão dos investidores ¿ que esperam momentos economicamente mais apropriados, do seu ponto de vista, para obter melhores preços, por exemplo.

Por isso, Langone ¿ evitando polemizar com a Casa Civil e com ministérios interessados nas mudanças de legislação ¿ nega o conflito entre Dilma e Marina na questão da legislação ambiental:

¿ Isso vem dos empreendedores ¿ justifica.

No entanto, o secretário-executivo reconhece o terceiro dos embates entre as duas ministras: a energia nuclear. A construção da usina nuclear de Angra III foi colocada sobre a mesa na reunião do último dia 17, quando Lula sentou com a equipe para tratar dos investimentos em infra-estrutura e meio ambiente. Dilma, que quando era ministra de Minas e Energia era contrária ao uso deste tipo de energia, agora se posiciona favoravelmente à construção de Angra III e de outras quatro usinas nucleares, porque seu preço passou a ser interessante.

Mudanças na lei terão de passar pelo Congresso

Já o Ministério de Meio Ambiente é contrário. O secretário-executivo, Cláudio Langone, argumenta que ainda não há uma forma segura de descarte dos materiais e do lixo nucleares, e que outras alternativas de geração de energia, como as hidrelétricas, são preferíveis, pelo menor custo ambiental.

Além do embate entre Dilma e Marina, há um complicador para que a mexida na legislação ambiental vá adiante. As propostas têm de passar pelo Congresso, onde os ambientalistas têm forte poder de mobilização. Presidente da comissão de Infra-estrutura do Senado e membro da de Meio Ambiente, o senador Heráclito Fortes (PFL- PI), diz que, em princípio, haverá clima político para a aprovação ¿ desde que o governo tenha um projeto ¿claro e bem estruturado¿:

¿ O problema tem sido sempre o de transparência.

Na Câmara, já existem vozes que prometem não facilitar. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) lembrou que, logo após as declarações de Lula sobre sua pressa em destravar investimentos e melhorar a questão ambiental, houve fortes manifestações da sociedade:

¿ O licenciamento ambiental merece ser discutido mas não no caminho de retirá-lo, mas de dar eficácia ao processo no sentido de que seja dado num prazo mais curto, mas com a preocupação ambiental. A minha proposta é ter mais gente, equipamento e estrutura (no Ibama).