Título: Bolsão de consumo
Autor: Ronaldo D'Ercole, Lino Rodrigues e Heliana Frazão
Fonte: O Globo, 04/12/2006, Economia, p. 15

Renda no Nordeste sobe com ações sociais e salário mínimo, atraindo redes do varejo e indústrias

Programas sociais como o Bolsa Família e os generosos reajustes concedidos pelo governo federal ao salário mínimo turbinaram o poder de compra dos consumidores do Nordeste, levando fabricantes de bens de consumo e grandes redes de varejo a dobrar suas apostas na região. A Nestlé está investindo R$100 milhões em uma nova fábrica na Bahia. Outra grande multinacional, a Unilever, acaba de gastar R$24 milhões para produzir sorvetes da Kibon em Pernambuco. Na outra ponta, somente a rede Wal-Mart destinou R$200 milhões à região, onde inaugurou metade das 14 novas lojas que abriu este ano no país.

¿ Nos últimos dois anos, o Nordeste foi o pólo de maior crescimento do comércio de alimentos, móveis e eletrodomésticos no país ¿ diz Sérgio Vale, economista da MB Associados, que inclui os reajustes maiores dos salários do funcionalismo público entre os fatores que puxaram o consumo na região.

Nos 12 meses até setembro, as vendas do varejo no Nordeste tiveram crescimento real de 13,54%, quase o dobro dos 7,47% no Sudeste. Não à toa, observa Vale, 50% das pessoas que recebem o Bolsa Família e, também, metade dos aposentados que ganham um salário mínimo vivem na região. Segundo o governo, cerca de 11 milhões de famílias em todo o país recebem as pensões do Bolsa Família, que variam de R$15 a R$95.

Com 66% da população nas classes D e E (renda familiar abaixo de R$1,4 mil mensais), o Nordeste é um mercado que desafia as empresas.

Nestlé vende mais e Schincariol investe

Desde 2000, a Nestlé regionalizou seus processos para ¿entender melhor¿ o consumidor nordestino. Há dois anos, criou uma diretoria regional, em Recife, só para cuidar do desenvolvimento de produtos e ações de comunicação específicos para o público local. Nesse processo, o tradicional Nescafé foi rebatizado Dolca, o leite Ninho em pó virou Ideal e trocou a lata de 454 gramas por um saquinho de 200 gramas.

Em 2005, as vendas da Nestlé na região tiveram crescimento real de 15%, mais que o dobro da expansão das vendas no resto do país. A nova fábrica em Feira de Santana (BA), a segunda na região, é uma nova aposta no mercado local.

¿ Faz todo o sentido ter uma estratégia específica na região ¿ diz Johnny Wei, diretor Regional da Nestlé, que já tem no Nordeste quase um terço de seu faturamento no país.

A Unilever, que atua no mercado de alimentos e de higiene e limpeza, dá tratamento especial ao mercado nordestino desde o início dos anos 90. Desse processo, em 1996, nasceu a marca de sabão em pó Ala. Com participação de 24% no mercado local em junho, o Ala é hoje a segunda marca mais consumida na região.

Com investimento de R$63 milhões, a Unilever inaugurou no ano passado sua quarta fábrica da região, em Ipojuca, Pernambuco, de onde passou a exportar creme dental para a América Latina. A empresa fechou o ano com faturamento de R$9 bilhões no Brasil.

¿ O crescimento das vendas tem estimulado os investimentos ¿ diz o vice-presidente de negócios da Unilever, Luiz Carlos Dutra, que não teme uma mudança na expansão de demanda. ¿ Nosso compromisso com a região é de longo prazo.

Atenta ao ciclo de expansão, a Schincariol, segunda maior fabricante de cerveja do país, anunciou semana passada a construção de sua quinta fábrica no Nordeste, projeto de R$135 milhões. Mercado em que consegue ser mais competitiva diante da AmBev, a Schincariol tem participação de 34,9% nas vendas de cerveja (segundo a AC Nielsen, em outubro) na região, de onde vêm 45% de suas receitas.

¿ O crescimento das vendas de cerveja, e de refrigerantes, lá é 50% maior que a média do mercado nacional ¿ comemora o diretor de Relações Institucionais da Schincariol, José Domingos Francischelli.

O forte crescimento de redes de varejo especializadas, como Insinuante e Lojas Maia, tem impulsionado também as vendas de eletroeletrônicos no Nordeste. Edvaldo Sena da Silva, gerente nacional de Vendas da Philco, que pertence à Gradiente, conta que essas redes já estão entre seus maiores clientes.

¿ Além disso, o Nordeste é onde temos o maior número de clientes de pequeno porte ¿ diz Silva, referindo-se ao varejo pulverizado.

Essa pulverização, que se baseia no hábito de consumo de vizinhança ainda forte entre os nordestinos, e a ascensão de redes regionais como a Insinuante (226 lojas) e a Maia (110 lojas) fazem com que as redes nacionais de eletroeletrônicos e móveis, como Casas Bahia e Ponto Frio, olhem com cautela para o Nordeste.

Já os supermercados são bem competitivos em alimentos e bens de consumo não duráveis. O Wal-Mart, cuja presença regional cresceu, há alguns anos, pela compra do Bompreço, é o mais agressivo. Além de levar às capitais a bandeira Sam¿s Club, a rede investe na Todo Dia, com lojas pequenas para baixa renda. Dos R$850 milhões em investimentos para 2007, R$300 milhões irão para o Nordeste, onde estão 116 das 301 lojas.

Maior rede de supermercados do país, o Pão de Açúcar tem 47 lojas no Nordeste, onde concentra 9% das vendas. E o Carrefour abriu três novas lojas na região este ano, um terço do que inaugurou no país.