Título: Policiais fardados assaltam em Caracas
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 04/12/2006, O Mundo, p. 19

Repórter do GLOBO é achacado num país onde violência só cresce

CARACAS. Que Caracas era uma das cidades mais perigosas da América do Sul eu sabia. E por isso a chegada dos dois policiais na praça em que tentava comprar os jornais locais me tranqüilizou. Mas isso não impediu o assalto. Pior: os criminosos foram exatamente os dois policiais.

A banca estava fechada. Eu começara a voltar a meu hotel, no centro de Caracas, do outro lado da rua, quando fui abordado pelos bandidos fardados.

Pediram documentos, e apresentei meu passaporte, que não foi devolvido por eles; me revistaram e ¿descobriram¿ que carregava comigo alguns dólares, além de pouco dinheiro brasileiro e venezuelano. Exigiram a exibição do documento da aduana. Expliquei que poderia mostrá-lo se fôssemos ao hotel e que a imigração me informara que o único documento de porte obrigatório era o registro da imigração, que estava comigo. Acrescentei que a quantidade de dólares estava dentro dos limites e fora registrada pela imigração.

O tom se tornou mais ameaçador. Eu perderia o dia inteiro no comando militar, seria preso, deportado, as informações eram mudadas a cada frase. Logo, insinuaram que havia uma ¿multa¿, de US$100 (R$216).

Agi como costumo agir com policiais corruptos no Rio, nas duas vezes que fui abordado por infrações menores de trânsito (como esquecer o documento do carro) e me recusei a pagar propina. Reconheci meu ¿erro¿ e solicitei ser levado ao comando, de onde poderia contatar a embaixada brasileira.

O humor dos bandidos mudou. Da praça, passaram a me escoltar por uma rua que terminava num terreno baldio, suas mãos sobre os coldres de suas pistolas. Nesse momento meu pensamento se desviou da Venezuela corrupta, 138º lugar entre 163 países do ranking da Transparência Internacional, para a do país violento: 90 mil pessoas foram assassinadas desde 1999, e 93% dos casos não foram solucionados. Organizações de direitos humanos acusam as forças de segurança de diversos abusos.

Cedi. Humilhado, negociei um desconto: em vez de US$100, qual tal US$20? Quando o terreno baldio se aproximava, fechamos o negócio. Minha liberdade ¿ ou coisa pior ¿ por US$20 e 50 mil bolívares. Apenas depois de receber o dinheiro me devolveram o passaporte.

Sorridentes, os malfeitores coroaram sua atuação me alertando que não deveria andar com meu relógio nem com minha aliança de casamento, pois a cidade é muito perigosa. Despediram-se me chamando de ¿amigo¿.

No hotel, não recomendaram uma denúncia à delegacia, pois correria o risco de ser recebido pelos mesmos bandidos que me assaltaram, ou ser visitado por eles no hotel. Lembrei dos venezuelanos simples que haviam hesitado em me dizer seus nomes, por temerem ações retaliatórias das autoridades. Eu me tornei um deles.