Título: Marina em questão
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 05/12/2006, O Globo, p. 2

O presidente Lula e a ministra Dilma Roussef sabem o que a ministra Marina Silva representa para o governo: Por sua trajetória e sua militância, ela se tornou uma espécie de avalista das boas intenções ambientais do governo Lula, mesmo quando alguns resultados deixaram a desejar. Sua eventual saída do ministério seria percebida, interna e externamente, como um revés.

Até onde se sabe, não há decisão tomada, embora os primeiros nomes de substitutos comecem a despontar na bolsa de apostas. O que se está tentando, em nome da urgência de ¿destravar¿ as obras de infra-estrutura, é sua concordância com mudanças na legislação, destinadas a garantir mais celeridade ao processo de licenciamento. Para os ambientalistas, o outro nome dessa ¿celeridade¿ pode ser ¿negligência¿.

¿ A saída da ministra Marina seria desastrosa. A reputação que o governo Lula angariou lá fora, na questão ambiental, decorre do prestígio e da credibilidade dela ¿ diz Juca Ferreira, do Partido Verde.

Mario Montovani, presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, vai na mesma linha, entre surpreso e assustado com a possibilidade da troca.

¿ Custa-me crer que este governo seja capaz de comprometer assim uma das poucas áreas em que ele teve rumo, mesmo fazendo muitas concessões. Sob esse discurso do ¿destravamento¿ vejo o mesmo ímpeto ¿desenvolvimentista¿ da década de 70, sob a ditadura, que levou ao Brasil à condição de 8ª economia do mundo, mas a uma das últimas posições em qualidade de vida. A saída da ministra Marina seria uma perda, mas também acho que seria ruim ela ficar mas enfraquecida, subordinada a essa obsessão pelo crescimento que demoniza a exigência de sustentabilidade.

Marina é uma das figuras do governo que Lula trata com o máximo de delicadeza. Nas vezes em que ela foi derrotada dentro do governo, como na questão dos transgênicos, ele fez questão de dar-lhe uma demonstração pública de apreço e prestígio. E Marina tem perdido, sem reclamar, muitas batalhas internas. Desta vez, Lula fez repetidas queixas públicas da ¿trava ambiental¿ antes de dar à ministra Dilma Rousseff a tarefa de buscar um entendimento com Marina sobre os obstáculos que têm impedido o andamento de mais de 120 obras. A primeira queixa pública ele fez há pouco mais de um mês, já reeleito, numa conversa no Itamaraty, citando o caso do viaduto Coari-Manaus:

¿ Temos lá um investimento de R$1,2 bilhão, três mil homens trabalhando e tivemos que parar tudo. Uma juíza entendeu que a licença do Instituto da Amazônia não valia. Queria a do Ibama, mesmo tendo o Ibama endossado a licença do instituto. Assim fica difícil, vamos ter que mexer na lei ¿ disse Lula, então.

É exatamente isso o que se pretende: estabelecer competências dos diferentes órgãos para licenciar os diferentes tipos de obra, ficando o Ibama encarregado das mais complexas.

O problema é outro, diz Montovani. As licenças demoram porque o Ibama e os demais organismos ambientais estão sucateados, carentes de investimento, sobretudo de recursos humanos. Se não há técnicos suficientes, as licenças demoram mesmo, diz ele.

Mas é preciso, diz-se no governo, evitar que juízes e procuradores valham-se de brechas na lei para contestar as licenças a custo concedidas. A queda de braço está em curso e Lula diante de mais um dilema: se tirar Marina, pagará um custo aqui dentro e lá fora. Preferia que ela ficasse, mas concordando com uma mudança rápida nas ¿travas¿ da lei. Marina prefere a receita que sempre seguiu: uma ampla discussão com todos os segmentos envolvidos.