Título: Pesadelo judicial
Autor: Graziano, Xico
Fonte: O Globo, 05/12/2006, Opinião, p. 7

Os advogados ¿paqueiros¿ venceram mais uma. A vítima agora foi José Batistela, agricultor em Araras (SP). Ele perdeu uma ação trabalhista absurda. Seu único, e triste, consolo é saber que centenas de produtores rurais padecem semelhante esfolação.

O achaque partiu do antigo funcionário do sítio. Quanta decepção! Descendente de italianos, citricultor com modestos 30 hectares, tratava com presteza a família do seu trabalhador rural. Em troca, tomou uma bofetada.

O bom homem pagava com gosto o material escolar das crianças do empregado, tratava-lhes o dente cariado, promovia Natal conjunto. Assim aprendera no tempo de antigamente, patrões e empregados na mesma fogueira de S. João, a quermesse da padroeira, a reza do terço. A diferença social não impedia a convivência na fazenda. Bons tempos.

Veio a urbanização, e a modernidade capitalista tudo alterou. As relações trabalhistas no campo, modificadas especialmente em 1963, romperam o status quo herdado da colônia e acirraram a disputa classista. Difícil é saber quem mais perdeu nesse processo.

Ao monetarizar as relações de trabalho, incluindo a moradia, a mudança legal acabou provocando a expulsão dos trabalhadores para a cidade. O temor das indenizações trabalhistas fez esvaziar a roça.

Atraídos pela cidade, milhões engrossaram o êxodo rural. Esse transtorno gerou as terríveis deformações que permeiam hoje o labor rural. Ao se pretender transformar o trabalhador rural em operário, foram desconsideradas as particularidades do mundo rural. A causa era boa; o resultado acabou sofrível.

A jornada de trabalho, os ciclos de produção, do plantio à colheita, as distâncias, a influência da Natureza, as frustrações da seca, geada, as tempestades e o sol a pino, quanta diferença. Pouco importa. Juristas e políticos, urbanóides sempre, pretenderam unificar a legislação trabalhista. O figurino não ajustou.

Na brecha desse aperto cresceu o pior dos defeitos da advocacia brasileira: a litigância de má-fé. É ela o algoz do agricultor José Batistela. Advogados sem escrúpulos se imiscuem nos sindicatos e nos corredores forenses, qual cão-perdigueiros, caçando causas contra os produtores rurais. Tudo é, fajutamente, demandado. Hora extra, jornada, férias, insalubridade, décimo-terceiro, vale tudo. Recebia leite da fazenda? Conta como salário indireto. Ganhava casa? Bota o aluguel presumido. A malandragem reclamatória não tem limites.

Esqueça a verdade. A petição não exige prova, nem documento. Basta haver a personagem central, um ex-trabalhador. Vale também sua esposa. O resto do drama tem script pronto. Testemunhas ¿profissionais¿ se prontificam ao circo falso da Justiça. Chega o dia da audiência, à frente do juiz. Este pergunta, placidamente, como quem parece saber o filme de cor: ¿Tem acordo¿?

Nunca se conheceu uma causa trabalhista vencida pelo fazendeiro. Havendo acordo, como procedeu o sitiante de Araras, dos R$20 mil pretendidos pelo demandante, perdeu R$3 mil, pagos em seis prestações. Acordo realizado, o advogado ¿paqueiro¿ vai em busca de outra presa, um coitado qualquer, trabalhador rural inculto, ou esperto, que tope lhe devolver 30% a 50% do valor da causa vencida. É tiro na certa. Dizem existir esses velhacos pelo Brasil afora. Um verdadeiro pesadelo judicial.

O Lupa, levantamento de dados efetuado, em 1997, pela Secretaria da Agricultura paulista, localizou 253 mil residências rurais vazias no estado. Falta moradia na cidade, sobra no campo. Ocorre que é temerário, aos proprietários, permitir seu uso, pois vira demanda judicial certa. Só mesmo no Brasil.

Os defeitos da legislação trabalhista causam um estrago no emprego rural. Isso precisa mudar. Fala-se tanto em reformas no país. Pois que se inclua essa também na agenda política: a necessidade da CLT-Rural. Com a palavra o Congresso Nacional.

A OAB renova sua direção. Poderia aproveitar, ela também, para enfrentar esse mal. Em cada município, são conhecidos os picaretas que sujam o nome da classe. Apurem isso. Os advogados corretos, a maioria, agradecem.

XICO GRAZIANO é agrônomo e deputado federal (PSDB-SP). E-mail: xicograziano@terra.com.br