Título: Eleições acirraram divisões no continente
Autor: Galeno, Renato
Fonte: O Globo, 05/12/2006, O Mundo, p. 26

Pleitos em 12 países desenham um novo mapa político na América Latina, entre lideranças reformistas e moderadas

BUENOS AIRES. Entre novembro do ano passado e dezembro deste ano, 12 países latino-americanos foram às urnas para eleger novos presidentes ou reeleger, nos casos do Brasil, Colômbia e Venezuela, governos que já estavam no poder. Os resultados eleitorais modificaram o mapa de poder do continente, alterando, sobretudo, a região andina, na qual deverão conviver três presidentes reformistas (Hugo Chávez na Venezuela, Rafael Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia) com dois governos politicamente mais moderados e em clara sintonia com os EUA (Alan García, no Peru, e Álvaro Uribe, na Colômbia). Paralelamente, os países do Cone Sul deverão continuar enfrentando delicados conflitos, por exemplo, a chamada ¿guerra do papel¿, protagonizada pelos governos da Argentina e do Uruguai e desencadeada pela construção de duas fábricas de celulose no lado uruguaio da fronteira entre ambos países.

¿ A fronteira mais caliente da região será sem nenhuma dúvida a que separa a Venezuela da Colômbia. Ambos países estão numa corrida armamentista e, no caso da Colômbia, com forte participação dos EUA ¿ explicou ao GLOBO o professor de Relações Internacionais da Universidade de San Andrés, o argentino Juan Tokatlian.

Nos últimos anos, a Colômbia investiu US$4 bilhões em armas, contra US$3 bilhões gastos pela Venezuela. Segundo o professor, atualmente cerca de 800 militares americanos atuam em território colombiano, além de 600 agentes de empresas de segurança, também americanos.

¿ A Colômbia ocupa o quinto lugar na lista de países que recebem ajuda financeira dos EUA. Isso ao lado da Venezuela, principal inimigo da Casa Branca na região ¿ diz Tokatlian.

Na visão do analista argentino, em países como Colômbia e Venezuela existem modelos políticos totalmente diferentes, uma realidade que poderia acentuar os conflitos na região.

¿ No passado, as disputas entre países latino-americanos eram causadas por questões geopolíticas. Hoje as tensões são provocadas por diferenças entre os modelos políticos vigentes ¿ assegurou o professor.

Os triunfos de Morales, na Bolívia, Correa, no Equador, e Daniel Ortega, na Nicarágua, opina o analista argentino Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nova Maioria, ¿permitiram a Chávez aumentar sua influência na região¿.

¿ Há um ano, o presidente da Venezuela tinha apenas uma aliança, com Cuba ¿ lembrou.

O fortalecimento de Chávez poderia complicar a situação não apenas com a Colômbia, mas com o Peru. O presidente venezuelano apoiou abertamente o ex-candidato à Presidência peruano Ollanta Humala, atitude que marcou o início de um difícil relacionamento com o novo presidente do país, Alan García.

`Guerra do papel' dificulta relação Uruguai-Argentina

A boa notícia entre os andinos é a aproximação entre os governos do Chile e da Bolívia, que protagonizam um conflito territorial desde que a Bolívia perdeu o acesso ao Pacífico, em 1879. Os bolivianos reivindicam o território perdido, e os chilenos se recusam a rever o passado. Com a chegada de Michelle Bachelet ao Palácio de La Moneda e a de Morales ao Palácio Quemado, a primeira presidente mulher do Chile e o primeiro presidente indígena da Bolívia decidiram tentar encontrar uma solução à disputa.

Já argentinos e uruguaios parecem cada vez mais longe de um acordo capaz de pôr fim à guerra do papel. O Uruguai insiste em aprovar a construção das fábricas de celulose consideradas um atentado ao meio ambiente pela Argentina. A guerra, que já chegou aos tribunais internacionais e levou os argentinos a bloquearam as pontes que nem os dois países, parece estar apenas começando.