Título: Diplomação pode ter atraso
Autor: Gripp, Alan e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 06/12/2006, O País, p. 4

Parecer do TSE aponta irregularidade nas contas de campanha de Lula e julgamento é adiado

Depois de examinarem por uma semana os números apresentados pelo comitê de campanha do presidente reeleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomendaram a rejeição das contas do petista. O impacto do relatório chegou a fazer o presidente do TSE, Marco Aurélio de Mello, declarar que a diplomação de Lula, marcada para o próximo dia 14, seria adiada, e que a posse também poderia sofrer atraso. No fim da noite, o TSE marcou o julgamento das contas para o próximo dia 12. A diplomação de Lula foi mantida para o dia 14, mas pode ficar ameaçada se os ministros ratificarem a decisão dos técnicos do tribunal. O PT ficou de retificar a declaração.

A decisão do TSE poderá provocar um efeito cascata. Caso os ministros rejeitem as contas de Lula, abririam caminho jurídico para que outras dezenas de eleitos tenham problemas para serem empossados. Isso aconteceria porque, entre as irregularidades apontadas pelo parecer técnico, a considerada mais grave refere-se a doações de empresas que, direta ou indiretamente, são concessionárias de serviços públicos. Lula recebeu R$10 milhões de empresas nessa situação. As mesmas companhias doaram pelo menos R$50 milhões para outros eleitos.

Marco Aurélio depois ameniza

Ciente das conseqüências que isso poderia provocar, Marco Aurélio disse esperar que as contas de Lula sejam aprovadas. Afirmou, porém, que ele não poderá tomar posse se isso não acontecer, como previsto no Código Eleitoral. O relator do caso, ministro Gerardo Grossi, deu 72 horas para que o presidente Lula se manifeste sobre o parecer técnico. Depois desse prazo, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, terá mais 48 horas para analisar o caso.

Caso o processo se arraste até a data da posse, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), assumiria o cargo interinamente.

¿ Ele (Lula) tem mandato que estará vencendo no dia 31 de dezembro. A aprovação das contas é condição sine qua non para se chegar à cadeira no próximo mandato. (Se houver vacância), teremos a convocação do presidente da Câmara para atuar durante esse período ¿ disse o presidente do TSE.

¿Irregularidades insanáveis¿

O parecer técnico que recomendou a rejeição das contas de Lula foi elaborado pela Secretaria de Controle Interno e Auditoria do TSE. O documento relaciona uma lista de irregularidades que teriam sido cometidas, em diferentes graus: da ausência de recibos até a captação de recursos ilegalmente. Segundo os técnicos do TSE, o comitê não prestou contas de R$409 mil que circularam nas contas bancárias.

¿Como não houve a identificação desses recursos, caracteriza-se esse fato como recurso de origem não identificada¿, diz um trecho do relatório. ¿Sendo assim, esses recursos não poderiam ter sido utilizados e deveriam compor as sobras de campanha financeira¿.

Segundo a análise dos técnicos, o comitê não prestou conta de mais de R$10,2 milhões, cerca de 10% do total arrecadado. Apesar de os coordenadores da campanha terem declarado que o valor corresponde a dívidas assumidas pelo PT, o parecer considerou irregular a ausência das notas fiscais que poderiam comprovar a realização dos serviços. Os documentos só foram fornecidos pelo partido na prestação de contas oficial, diz o parecer.

O relatório considerou como irregularidade o fato de a campanha ter arrecadado recursos após a divulgação do resultado das eleições. No documento, os técnicos do TSE dizem que a lei permite arrecadação pós-eleição apenas para despesas contraídas até o dia do pleito e não quitadas. Mas eles constataram que, após a eleição, a arrecadação superou o pagamento de despesas em R$27,9 milhões.

Mas a maior polêmica está nas chamadas ¿doações vedadas¿. A campanha recebeu R$10 milhões de gigantes que receberam concessões federais, entre elas a Carioca Christiani Nielsen, que doou R$1 milhão a Lula e explora, em consórcio com outras empresas, a rodovia Rio-Teresópolis (Concessionária CRT).

Também estão na lista as mineradoras Caemi (R$1,8 milhão) e MBR (R$2,25 milhões), ambas do Grupo Vale do Rio Doce; a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), com doação de R$1,95 milhão; e a construtora OAS (R$1,7 milhão), que participa do consórcio que administra a Linha Amarela, por exemplo. Os repasses estão classificados no código eleitoral como ¿irregularidades insanáveis¿ e, segundo o parecer, a jurisprudência em vigor não abre espaço para questionamentos.

¿Tratando-se de irregularidade insanável, não há que se falar em requisição ao candidato de informações adicionais, nem em determinação de diligências complementares visando ao saneamento das falhas¿, dizem os técnicos, ao comentar os repasses da MBR.

A proibição de doações de concessionárias públicas existe desde 1997 e foi reafirmada, este ano, com a aprovação da resolução 22.250, mas nunca resultou na impugnação de uma candidatura. Irregularidades como essa até hoje resultaram, no máximo, na aprovação das contas com ressalvas, sem qualquer punição prática. Em seu discurso de posse no TSE este ano, Marco Aurélio prometeu acabar com esse artifício.

O relator Gerardo Grossi disse ontem à noite, após a sessão do TSE, que ainda não tem juízo formado sobre o caso, pois ainda irá ler todo o texto da área técnica e as razões do PT, que serão apresentadas hoje numa retificação, além do parecer do Ministério Público. Segundo ele, não há prazo para a área técnica apresentar o novo parecer, com base na retificadora do PT. Ele disse, porém, acreditar que isso será rápido. O Ministério Público tem 48 horas para se manifestar. O relator não tem prazo para apresentar seu voto ao plenário, mas afirmou que não pretende demorar.