Título: Nomes de artista em vidas sem cidadania
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 06/12/2006, O País, p. 17

Na periferia de Belém, crianças sem registro vivem na miséria, fora de creches, escolas e estatísticas

BELÉM. Os nomes foram escolhidos a partir de gente famosa que aparece na televisão. Mas a única semelhança entre Cauã, de 2 anos, e Ronald, 4 anos, com a vida do ator de novelas e o filho de Ronaldinho fica nos nomes. As duas crianças não existem oficialmente para efeito de estatísticas ou cidadania. Sem registro de nascimento, não conhecem creche ou banco escolar. Passam o dia perambulando e brincando às margens de um rio morto, o Tucunduba, na invasão conhecida como Riacho Doce, na periferia de Belém.

A mãe de Cauã e Ronald, Jesiane Cristina Silva, de 22 anos, mora em Belém há três anos, saída de um município do interior. Parou de estudar antes de terminar a quarta série. Com dinheiro guardado de serviços domésticos que fazia ocasionalmente, montou uma venda que serve aos outros moradores da invasão. Pouca coisa: ovos, óleo, fósforos. Não chega a tirar um salário mínimo por mês. O marido está desempregado há oito meses e vive de bicos.

Jesiane diz que nunca se preocupou muito em procurar documentos para os filhos. Ela mesma não tem vários documentos. Só carteira de identidade e certidão de nascimento.

¿ A gente mora longe do centro. Tem que pegar até dois ônibus para ir a alguns lugares. Quando acontece aquela ação que tira documento (Ação Global), não dá para ir. E tem cartório que cobra R$20 para tirar a certidão. Isso faz falta aqui em casa ¿ diz Jesiane.

Jesiane mora num barraco de madeira embaixo de uma torre de alta tensão. O sanitário é um cubículo onde a porta é um pano velho, e os dejetos vão direto para o rio. Já foram ameaçados de ser despejados pela prefeitura. O voto foi para o PT de Ana Júlia Carepa e Lula, mas as 72 famílias que moram na invasão sabem que dificilmente serão olhadas pelos governantes.

¿ Aqui não vem político. A não ser quando é para pedir voto ¿ diz ela.

Do outro lado da cidade, na invasão conhecida como Mata-Fome, por causa de um rio que era abundante em peixe e camarão, Deolinda Furtado, 44 anos e quatro filhos, diz que só ¿atentou¿ para a necessidade de documentos, como o registro de nascimento, há pouco tempo.

Dos quatro filhos, dois foram registrados na adolescência, porque um candidato a vereador conseguiu os documentos para eles, em 2004. Os outros dois, Damião, de cinco anos, e Rogério, de 3 anos, vão ter de esperar. Deolinda diz que mora longe e que o marido, pescador, ganha pouco. Ela não trabalha fora, mas vende o peixe que sobra para os vizinhos.

¿ A gente cuida de mil coisas. É comida para pôr na boca dos meninos, casa para cuidar. Não tem como sair pra resolver coisa de documento ¿ justifica.