Título: Crise em alta, governo parado
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 07/12/2006, O Globo, p. 2

Nesta arrastada crise do setor aéreo que transtorna o país, algumas coisas são incomprensíveis. A mais gritante delas, naturalmente, é a incapacidade do governo para dar uma resposta rápida ao problema. Absorvido pelas questões políticas, o presidente deixa a crise prosperar, dando a impressão de que ou o governo é refém dos controladores de vôo, ou o sistema padece de grave precariedade tecnológica.

A segunda hipótese é descartada pelas autoridades do setor. O equipamento de radiotransmissão que agora entrou em pane é novo, tem apenas seis anos. Os controladores, depois do acidente com o avião da Gol, buscaram diluir responsabilidades expondo os problemas do setor, inclusive os salariais. Mas eles, sozinhos, não podem ter poder para tanto. Há indícios fortes de que uma disputa dentro da Aeronáutica esteja fazendo o resto.

Duas comissões parlamentares foram criadas ontem para acompanhar a crise, uma no Senado, outra na Câmara. No Senado, o governo apanhou como cachorro horas seguidas sem ter quem o defendesse. Os governistas não têm muito o que dizer, a não ser que a crise vem de longe, como tentou fazer o senador Carlos Abicalil, com palavras que nada resolvem. As comissões também nada resolverão, mas, quando começam a aparecer, é sinal de que a insatisfação começou a reverberar no Congresso.

É insólito nessa crise que até agora ela não tenha derrubado ninguém no governo, embora tantos setores estejam envolvidos: Ministério da Defesa e Anac, Infraero e Aeronáutica, pelo menos. A oposição, na ofensiva de plenário ontem, pediu cabeças as mais diversas, a começar pela do ministro da Defesa, Waldir Pires. Atirar no ministro é sempre mais fácil, mas cabe ao presidente saber quem está errando e dar alguma satisfação ao distinto público. O presidente, entretanto, tem evitado levar a crise para dentro do Palácio do Planalto. Quando faz isso, mostra fraqueza.

Estranho também que tudo tenha começado depois do trágico acidente entre o Legacy e o avião da Gol, há dois meses. Até então, apesar da crise da Varig e de atrasos recorrentes, mas dentro do tolerável, as coisas pareciam funcionar razoavelmente bem. De lá para cá, os brasileiros tomaram conhecimento de muito do que se passa na cozinha do setor aéreo, e têm agora razões de sobra para ter medo de avião. A ocorrência de uma pane nas radiocomunicações, como a que começou na segunda-feira, deixa exposta a grande vulnerabilidade do sistema, tenha ela ocorrido por sabotagem ou por falha técnica.

O governo sabe o quanto a crise está lhe custando, em termos de desgaste e perda de aprovação. Até em pesquisas isso já apareceu. O presidente, absorvido pelas costuras políticas, sabe. E, mesmo assim, não tem tido pressa nem ansiedade. Teria, se a eleição já não fosse favas contadas.