Título: Eu perco o pescoço, mas não perco o juízo
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 07/12/2006, O País, p. 11

Ministra defende o Ibama e diz que não pretende flexibilizar a atuação do Meio Ambiente para ficar no cargo

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (PT), avisa que não está disposta a flexibilizar a gestão de sua pasta para permanecer no governo. No Planalto, a avaliação é que ela e o Ibama precisariam ter atuação menos fundamentalista para continuar no segundo mandato do presidente Lula. Nesta entrevista ao GLOBO, Marina defende o Ibama, classificado pelo Planalto de ¿xiita¿ (radical em defesa dos ambientalistas), diz que reestruturou o órgão e que as licenças ambientais aumentaram na sua gestão, assim como o rigor na análise para concessões. E é o rigor técnico do Ibama, diz, que tem motivado reclamações e reações. Símbolo na luta pela ecologia, Marina diz esperar que o segundo governo de Lula consiga harmonizar desenvolvimento e compromisso ambiental. Embora afirme não estar chateada com as notícias de que poderá ser substituída, diz que se preocupa com o desenvolvimento, mas não concorda que, para isso, seja preciso derrubar florestas: ¿Uma coisa é certa: perco o pescoço mas não perco o juízo¿.

A senhora conversou com o presidente sobre a permanência no segundo mandato?

MARINA SILVA: Ainda não conversei. Estou aguardando.

No governo, há reclamações de todos os setores por causa da dificuldade dos licenciamentos concedidos pelo Ibama.

MARINA: É melhor a gente qualificar essa história de licenciamento. Quando chegamos ao ministério, havia 45 empreendimentos para construção de hidrelétricas paralisados por questões ambientais, em função de licença mal feita. Hoje só restam quatro. Amenizar, simplificar? Isso é o que era feito antes. O que levava à contestação judicial desses empreendimentos. Agora, o ministério não pode ser responsabilizado por problemas do empreendedor. Foi o Ministério Público que pediu a posição do Ibama sobre a construção das duas hidrelétricas do Rio Madeira (RO). E a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), está sendo questionada na Justiça. Essa paralisação da obra não pode ser atribuída ao ministério.

A crítica é que sua gestão é fundamentalista.

MARINA: Cria-se uma visão de que há questões ideológicas no ministério. Isso não é fato. O projeto de integração das bacias teve a colaboração do Ministério do Meio Ambiente. Vamos colocar o assunto em números. A média do governo anterior era de 145 licenças ambientais por ano. Agora, a média é de 225 licenças.

Então, por que tanta reclamação de outros setores do governo?

MARINA: A reclamação não é por causa do que não é feito. Estão reclamando do que está sendo feito. Hoje, o trabalho de licenciamento é feito com mais qualidade. Antes, eram 70 funcionários no setor, sendo apenas sete efetivos. Hoje, há 150 funcionários concursados no Ibama para cuidar da área de licença ambiental. Aliás, o que adianta ter licença se depois será contestada na Justiça?

Então, antes a licença ambiental era mal feita?

MARINA: Sim. Recebíamos um estudo de impacto ambiental para a construção de uma hidrelétrica num rio brasileiro, mas com a fotografia de um rio da Venezuela. Até isso chegou por aqui, porque achavam que qualquer coisa passaria pelo Ibama.

Há uma preocupação crescente de integrantes do governo de que os projetos prioritários esbarrem em questões ambientais por causa da pressão do setor...

MARINA: Não há ideologia nisso. Não podemos colocar dessa forma. Não acho que o Brasil não está crescendo mais por causa do licenciamento do Ibama. Lula está entendendo que há vários problemas. Por que a BR-163 (Cuiabá-Santarém) não está sendo feita, já que foi dada a licença para a construção de 670 quilômetros?

No governo há um entendimento de que a senhora está refém de ¿xiitas¿ do Ibama. A senhora virou refém dos ambientalistas radicais?

MARINA: Quero saber se a sociedade acha que ser ¿xiita¿ é fazer um trabalho responsável pelo meio ambiente. Quero saber se a sociedade considera ¿xiita¿ inibir o cadastro de 66 mil propriedades de grilagem ou inibir a ação feita em 1.500 empresas de exploração irregular de madeira, ou a prisão de 400 pessoas envolvidas em crime ambiental, sendo 100 delas funcionários do Ibama. É claro que isso que faço tem reação. É algo que não deixa as pessoas felizes, e isso tem uma reação.

Por que, até o momento, não saiu a regulamentação do artigo 23 da Constituição para estabelecer de forma clara as competências dos órgãos ambientais da União, dos estados e municípios?

MARINA: O ministério passou dois anos trabalhando essa engenharia com todos os segmentos da sociedade para a regulamentação do artigo 23. Conseguimos o consenso de todos os setores. Desde fevereiro deste ano, encaminhamos o texto para a Casa Civil. Não sei por que o texto ainda não foi enviado ao Congresso.

A senhora compartilha da idéia do presidente Lula de que é preciso fazer o Brasil crescer 5% nos próximos anos?

MARINA:Como o Lula teve sabedoria para fazer o país crescer com o compromisso social, ele vai ter sabedoria para fazer o país crescer com a questão ambiental. Em 2002, havia 500 mil hectares de florestas derrubadas por ano contra 320 mil hectares de florestas plantadas. Em 2006, estamos atingindo 600 mil hectares de florestas plantadas. É a minha lealdade ao Lula que se levanta aqui para mostrar o que ele fez na área ambiental.

Mas insisto: a avaliação no Planalto é de que a senhora precisa flexibilizar um pouco a gestão no setor ambiental. Há uma obsessão do presidente Lula com o destravamento do país. A senhora aceitaria flexibilizar o Ibama?

MARINA: Para mim, flexibilizar o Ibama não é o termo adequado. Você flexibilizaria uma cirurgia de coração? Dar eficiência ao processo não significa passar em cima da lei. Quando você tem uma visão do que é correto, tem que fazê-lo. E para isso é preciso cumprir as regras republicanas e ter rigor, mesmo com as demandas.

A senhora está chateada com as especulações de entrar reforma ministerial?

MARINA: Eu ficaria chateada se ao final desses 4 anos se falasse em desenvolvimento no país, sem falar na questão do meio ambiente. Eu me preocupo com o desenvolvimento econômico, mas não concordo que seja preciso derrubar a floresta para produzir grãos.

Se a senhora tiver que flexibilizar a gestão ambiental, qual será sua posição?

MARINA: Uma coisa é certa: eu perco o pescoço, mas não perco o juízo.