Título: Um pacote de grego
Autor: Rocha, Carla , Vasconcellos, Fábio e Ernesto, Luiz
Fonte: O Globo, 07/12/2006, Rio, p. 17

Rosinha tenta fechar contas com medidas que podem prejudicar Sérgio Cabral

Aenos de um mês de terminar sua gestão, a governadora Rosinha Garotinho enviou à Assembléia Legislativa um pacote de projetos que é um verdadeiro presente de grego para seu sucessor, o governador eleito Sérgio Cabral. Em um último esforço para fechar suas contas em dia e não deixar rombo, escapando assim das punições previstas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, Rosinha encaminhou quatro projetos de lei que, em linhas gerais, prevêem renúncia fiscal e troca de dívidas. Como a medida pode prejudicar o próximo governo, o pacote levou para a Assembléia Legislativa (Alerj) a crise que já havia se instalado entre a governadora e Cabral.

Para começar, Rosinha propõe uma anistia de até 70% dos juros e multas cobrados sobre as dívidas de ICMS inscritas até 31 de março deste ano. O benefício só vale para quem pagar tudo até o dia 20 de dezembro. A mesma proposta prevê ainda que quem já parcelou o débito poderá ter um desconto de 30% sobre juros e multas cobrados no imposto. A estimativa é de que o projeto beneficie cerca de 15 mil processos de pagamento de ICMS já parcelados. No total, os valores chegam a cerca de R$500 milhões. Projetos semelhantes a esses foram apresentados por Rosinha em 2003 e no ano passado.

Medidas visam a maior arrecadação

Para o tributarista Ilan Gorin, a proposta de redução de dívidas de ICMS configura anistia de encargos e tributos. O governo informou que a medida ajuda a reduzir a dívida ativa do estado.

¿ Tem a peculiaridade da exigência para pagamento à vista. De qualquer forma é um instrumento de arrecadação ¿ afirmou Ilan Gorin.

Um outro projeto apresentado propõe que empresas beneficiadas pelo Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social (Fundes) paguem dívidas do estado. Ou seja: em vez de devolverem os recursos para o Fundes, as empresas financiadas quitariam débitos do estado. Em tese, o dinheiro arrecadado pelo fundo deveria ser destinado ao financiamento de outros negócios de desenvolvimento econômico.

Por outro lado, a governadora ainda abre mão de receitas futuras. Num dos projetos, propõe a isenção de ICMS para que empresas de ônibus adquiram novos veículos, alegando que a renovação da frota é importante para ter um transporte de qualidade para os Jogos Pan-Americanos de 2007. Outra proposta prevê a redução do ICMS cobrado do óleo diesel para os ônibus. A justificativa é de que a medida poderá reduzir os custos das empresas e, por sua vez, o preço final da passagem para os usuários.

Outra proposta prevê um acordo para o pagamento de mais de R$150 milhões de dívidas do governo do Estado com a Fundação Rede Ferroviária (Refer), o fundo previdenciário dos metroviários. O projeto prevê o pagamento da dívida em mais de 12 anos. Como todos receberam emendas ontem, eles foram retirados da pauta de votação e e só voltarão depois que forem analisadas pelas comissões da Casa. A previsão é de que eles sejam votados na próxima quarta-feira. Desde ontem, porém, o clima na Alerj é de mal-estar.

¿ Isto aqui virou um cabo de guerra. Agora eu quero ver de que lado vai ficar a bancada do governo, se da Rosinha ou do Cabral ¿ ironizou o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), que classificou de ¿esculhambação¿ a proposta de se usar dinheiro do Fundes para saldar dívidas do estado. ¿ Ela (Rosinha) vai acabar com o Fundes, criado para fomentar o desenvolvimento do Rio ainda na época da fusão.

Ontem à tarde, durante a apresentação do coronel Ubiratan Ângelo, que será o futuro comandante da PM, e do delegado Gilberto Ribeiro, indicado para a Chefia de Polícia Civil, o governador eleito Sérgio Cabral já dissera ter ficado surpreso com o fato de Rosinha encaminhar esses projetos sem ter conversado com sua equipe sobre o assunto:

¿ Não fomos consultados. Um projeto é sobre anistia fiscal. Outro assegura receitas futuras para pagar despesas do ano de 2006. Eu não consegui compreender. Eu não consegui entender a legalidade dessa mensagem. Estou acompanhando tudo isso.

Ao ser perguntado se estava surpreso com a atitude da governadora, Cabral saiu pela tangente:

¿ Não uso adjetivos, somente substantivos.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a governadora Rosinha Garotinho disse que não comentaria o pacote de medidas, acrescentando que as justificativas constam nos próprios projetos encaminhados à Alerj. Mais tarde, Rosinha voltou atrás e respondeu a Cabral:

¿ Estou à disposição do governador eleito Sérgio Cabral para quaisquer esclarecimentos sobre o governo. Sobre o IPVA ou sobre as mensagens. É só marcar a reunião.

Além do pacote que está na Alerj, há outras medidas que estão preocupando a equipe de transição do futuro governador. Já está em discussão no governo a venda de papéis do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios avaliados em R$50 milhões. Os valores corretos ainda estão sendo definidos. Nos bastidores, fala-se na venda de até R$300 milhões. Os papéis são atrelados aos royalties de petróleo que o estado ainda tem a receber da União.

A corrida para obter receitas, ao fim do governo, acontece paralelamente a outro problema que deverá ficar para o futuro governador: o aumento da folha de pagamento. Por força de uma decisão judicial, o governo vem substituindo terceirizados da Cedae por pessoal concursado. Os aprovados no concurso, realizado em 2002, só começaram a ser convocados no ano passado e, esta semana, mais 430 foram chamados. No total, 1.800 já foram chamados na Cedae.