Título: Ao avesso da boa gestão privada
Autor: Camarotti, Gerson e Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 07/12/2006, Economia, p. 35

Ação do governo contraria receita de analistas para crise em empresas

A estratégia adotada pelo governo para lidar com a crise no setor aéreo vai contra o receituário de especialistas em gestão empresarial. Transparência e um plano real de gerenciamento a curto e médio prazos são práticas comuns em corporações que passam por crises de credibilidade e qualidade, e que se aplicam à atual situação de caos aéreo.

No setor privado, o primeiro passo é decidir qual abordagem será usada para contornar a crise: negociação ou força, explica José Antônio do Patrocínio, professor de Negociação e Gestão de Conflitos da Fundação Getulio Vargas (FGV). Tentar uma solução negociada numa crise que exige autoridade só vai agravar os problemas, alerta o professor. E vice-versa.

¿ Uma vez perguntaram ao Garrincha se ele chutava com os dois pés, e a resposta foi: ¿Não, porque se eu usar os dois pés vou cair no chão¿. Oscilar entre abordagens opostas faz a crise virar um caos.

Outra medida indispensável, na visão do professor da FGV, é escolher uma única pessoa responsável pela gestão da crise:

¿ É preciso ter alguém que encarne essa função. Alguém com autoridade e responsabilidade, simultaneamente. Quando o governo Fernando Henrique enfrentou o apagão de energia elétrica, o então ministro da Casa Civil, Pedro Parente, foi nomeado coordenador da Câmara de Gestão da Crise. Agora, diante dos problemas nos aeroportos, diferentes órgãos cuidam do assunto: Anac, Ministério da Defesa e Aeronáutica.

Para Eric Cohen, coordenador e professor do MBA Executivo em Gestão de Negócios do Ibmec Rio, é preciso traçar frentes de longo e curto prazos. A longo prazo, o passo principal é investir em treinamento, formação de pessoal e repensar a infra-estrutura para, de fato, solucionar a crise:

¿ A curto prazo, é preciso reconhecer o erro e criar um plano de ação, envolvendo todos os participantes. O efeito é quase imediato, principalmente na imagem externa, aquela que o consumidor vê. Isso dá tranqüilidade para que as ações de longo prazo possam ser postas em prática.

Gilson Nunes, sócio da Brand Finance do Brasil, empresa de gestão e avaliação de marcas, afirma que a crise de imagem hoje afeta em primeiro plano as companhias aéreas junto ao consumidor. Mas a imagem do governo também fica manchada. Nesse caso, é preciso assumir a crise e apresentar dados mais objetivos.

¿ Se o problema persistir, vai afetar o valor das marcas e se estenderá à qualidade, ao preço, fatores que vão comprometer também o faturamento das empresas. No caso do governo, o consumidor fica sem saber quem é o culpado. Criar um plano de ação, ter um papel pró-ativo e transparente é fundamental.