Título: Pane no governo
Autor: Camarotti, Gerson e Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 07/12/2006, Economia, p. 35

Crise política na aviação expõe falta de comando e deixa ministro em situação delicada

Apane que paralisou o sistema aéreo brasileiro, na terça-feira, deixou praticamente insustentável a permanência do ministro da Defesa, Waldir Pires, no governo, e extremamente delicada a situação do Comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, que também pode ser afastado do cargo. A crise política nessa área voltou a se agravar esta semana, evidenciando a falta de comando e negligência do governo federal, que, há 60 dias, patina para resolver os problemas da aviação civil, que atingem milhares de passageiros e afetam a credibilidade do sistema de controle de tráfego aéreo.

Neste período, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado decisões mais radicais, mas a insatisfação entre os militares da Aeronáutica e o Ministério da Defesa, comandado por um civil, é crescente. Lula ainda tentava ontem segurar o amigo Pires até a reforma ministerial, que deve ocorrer no início do novo mandato, mas está sendo aconselhado por petistas e interlocutores próximos a tomar uma decisão imediata, diante da gravidade da crise. O próprio Pires já admitia ontem, de forma reservada, que sua situação era delicada. E não escondia o abatimento, embora tenha negado o pedido de demissão.

¿ Doutor Waldir está abatido. Ele reconhece que sua situação ficou muito difícil e não esperava ter que enfrentar essa crise. Como um homem de 80 anos vai enfrentar essa crise no setor aéreo? ¿ disse o ex-prefeito de Ilhéus Jabes Ribeiro, que também foi secretário do Trabalho no governo Pires na Bahia.

Dilma chama aéreas para conversar

De forma reservada, Pires tem dito que o apagão aéreo ¿explodiu¿ em seu colo. Para ele, o caos na aviação civil é um problema estrutural. Mas os próprios amigos acreditam que, se o ministro não conseguir encontrar uma solução a curto prazo, ele mesmo deve pedir para sair do governo e deixar Lula numa situação mais confortável, sem prolongar o desgaste.

Por essa interpretação, Pires estaria surpreso com os acontecimentos dos últimos dois meses. Sem conhecimento técnico da área de aviação, ele tem demonstrado estar perdido com os problemas. O ministro também tem relatado que sente saudades dos problemas que enfrentava na Controladoria Geral da União (CGU):

¿ Meu sentimento é de frustração. Não fui eu que criei todo esse problema ¿ desabafou a amigos.

A situação do Comandante da Aeronáutica também voltou a se complicar, depois da pane nos sistemas de rádio entre aviões e torres de controle. O brigadeiro participou de uma reunião com Lula na noite de terça-feira, no ápice da crise, e explicou os problemas técnicos que paralisaram os aeroportos. Mas o clima entre o Comando da Aeronáutica e o Palácio do Planalto continuou pesado. Interlocutores de Bueno ainda acreditam que ele possa permanecer no cargo e atribuem a Pires a responsabilidade pela crise no setor aéreo.

Na visão da Aeronáutica, quem deve deixar o governo é Pires. Se Bueno for afastado, avaliam fontes, a percepção que será passada para a sociedade é que os controladores venceram a queda-de-braço com o Comando e ficará muito difícil para o sucessor manter a hierarquia. No entanto, para evitar novos desgastes, Lula já estuda incluir a mudança de todos os comandos militares na reforma ministerial, o que ao menos daria uma saída honrosa a Bueno.

Nos últimos dois meses, algumas iniciativas de Pires, como a convocação direta dos controladores ¿ inclusive os militares ¿ para discutir reivindicações salariais deixou o Comando da Aeronáutica profundamente contrariado. Por outro lado, a tentativa de Bueno de ¿enquadrar¿ os controladores, com o aquartelamento, também não surtiu o efeito esperado pelos militares, contribuindo para acirrar as relações entre comando e controladores.

Também contribuíram para o caos aéreo a falta de ações coordenadas de outros órgãos, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Infraero, que se mostraram despreparadas para contornar a crise. Em vez de atenuar o desconforto dos passageiros, essas instituições tentaram maquiar as informações: o padrão internacional de divulgação de atraso a partir de 30 minutos foi desconsiderado, e foi criado outro, acima de uma hora.

Houve outros exemplos da falta de comando. A publicação de um simples edital para a contratação de 64 controladores demorou quase três semanas, embora ela tenha sido tomada no auge da primeira grande crise, no feriado de Finados. O gabinete de crise também não se reuniu a contento neste período. Ao contrário: os dois principais atores desta crise, Pires e Bueno, tomaram decisões opostas. Ao mesmo tempo em que o ministro incentivava o diálogo e a pacificação, Bueno pregava o uso do rigor militar. O Palácio do Planalto, imóvel, deixou os dois caminhos serem seguidos ao mesmo tempo, e tanto as companhias aéreas como os passageiros ficaram sem interlocução.

Segundo integrantes do governo, para tentar tomar as rédeas da questão, Lula determinou que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, voltasse a centralizar as discussões do setor aéreo, embora ela seja responsável pela indicação de Milton Zuanazzi para a presidência da Anac, e ele está sendo muito criticado nesse episódio. Dilma já chamou ontem as empresas aéreas para uma reunião. O presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) e da TAM, Marco Antonio Bologna, apresentou à ministra um relatório mostrando os pontos críticos do sistema de controle do espaço aéreo.

Segundo o vice-presidente do Snea, Anchieta Helcias, Bologna também apresentou planilhas que mostram a existência de R$2 bilhões no Fundo Aeronáutico e no Fundo Aeroviário, que podem ser usados para compra de equipamentos, manutenção dos atuais, treinamento e contratação de pessoal, por exemplo. Segundo Helcias, os recursos são provenientes de taxas pagas pelos passageiros, e a previsão é de injeção este ano de mais de R$1,2 bilhão.

Ontem, as companhias não trataram de seus prejuízos com a crise, mas, em uma avaliação preliminar, calculam que as perdas diárias e as despesas relacionadas ao problema eram, em média, de R$4 milhões ¿ valor que aumentou esta semana.

Lula voltou a cobrar ontem de sua equipe uma solução imediata para a crise. Ele está muito irritado e considera inadmissível que o aeroporto da capital fique paralisado. Depois de um encontro com Lula, o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, disse ontem que o governo não vai enfrentar a crise com uma ¿pressa neurótica ou temperamental¿, e que a segurança dos passageiros está em primeiro lugar. Sem novas medidas do governo, Tarso preferiu criticar as empresas aéreas, acusando-as de ¿despreparo¿ para atender aos passageiros nesses momentos.

¿ O importante não é uma pressa neurótica, uma pressa temperamental para enfrentar a crise, é sobretudo preservar até o máximo limite científico e técnico a segurança dos passageiros. É essa a orientação do presidente e ele está acompanhando essa questão ¿ disse Tarso.