Título: Adesão de Bush a relatório é uma incógnita
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 07/12/2006, O Mundo, p. 44

Presidente teria de mudar muitas convicções e objetivos em relação ao Iraque

WASHINGTON. O relatório do Grupo de Estudos sobre o Iraque promete mudar o tom do debate nacional sobre a guerra que ¿ até como disse o novo secretário de Defesa ¿ os EUA não estão ganhando. Mas a implementação das mudanças propostas pelo relatório da comissão Baker-Hamilton exigiriam que o presidente abandonasse muitas de suas decisões e objetivos, que serviram de base para sua política de segurança nacional. Bush reagiu bem ao relatório, descrito por ele como ¿uma avaliação dura das condições no Iraque, com algumas propostas interessantes¿ de mudança de rumo. Mas o presidente parou de falar, antes de endossar qualquer uma das recomendações do documento.

O relatório marca a segunda grande rejeição à estratégia de Bush para o Iraque (a primeira foi a eleição de meio de mandato). As recomendações do documento incluem um projeto de remover todas as forças de combate do país até o início de 2008, pressionar o governo local a aceitar medidas que visem ao progresso (e puni-lo caso não aceite), iniciar um diálogo com o Irã e a Síria e engajar-se mais no confronto entre israelenses e palestinos, com o objetivo de melhorar a estratégia do governo americano para o Oriente Médio como um todo.

Bush claramente entendeu o recado dado a ele nas últimas eleições. Mesmo antes de os republicanos perderem a maioria na Câmara e no Senado para os democratas, a retórica da ¿mudança de rumo¿ em relação à guerra já estava em vigor. Horas depois do resultado da eleição, o secretário de Defesa foi substituído. O quanto Bush vai avançar nas recomendações do novo relatório é determinante para moldar seu próprio legado e o de seus colegas republicanos, fazendo com que o partido não perca, por exemplo, a Presidência em 2008.

Apesar de várias das sugestões do relatório Barker-Hamilton já terem sido feitas ¿ por democratas, militares, civis ¿ agora será mais difícil para Bush ignorá-las.

Mesmo antes da conclusão do relatório, Bush continuava dando sinais de sua teimosia em defender suas estratégias para o Iraque. Numa reunião com o premier do país, Nouri al-Maliki, disse que ¿os EUA ficariam no país até o serviço terminar e até quando os iraquianos nos quiserem lá¿. Disse também que o objetivo dos americanos era ganhar a guerra. Palavras e conceitos usados por Bush estão longe de ser a questão central do relatório, que cita a necessidade de mudanças para tornar uma situação ruim melhor e não aponta a vitória como um objetivo.

Em sua sabatina no Senado esta semana, Robert Gates, o novo secretário de Defesa, disse que os EUA não estavam ganhando a guerra ¿ um candor que há muito falta no governo Bush. Só que Gates servirá ao presidente. E ainda não está claro se Bush pensa como ele ou está tão atrelado à sua estratégia que resistirá a qualquer mudança. Novas decisões por parte de Bush devem ser anunciadas até o fim do ano.

Apesar de o principal ônus do relatório cair sobre o presidente, o documento também emite um alerta implícito aos democratas, que agora controlam o Congresso: só criticar Bush não é suficiente. Muitos líderes democratas, recém-eleitos por defenderem uma retirada completa das tropas americanas do Iraque, terão que se adaptar, já que a comissão Baker-Hamilton rejeitou uma ¿saída precipitada¿ do país. O desafio, e valor, de um regime bipartidário é que ele pode trabalhar junto para sair da guerra, mas sem deixar o Iraque e toda a região imersa no caos.

Como bem lembrou Baker, ¿não há fórmula mágica¿ para transformar o Iraque numa história de sucesso. Gerenciar o fracasso, impedir coisas piores de acontecerem e modificar a relação fria com o Oriente Médio são os maiores desafios imediatos do presidente e dos democratas.